21/02/93 - 00:33
Fui
ao hipódromo hoje, na chuva, e vi vencerem sete favoritos em nove.
Não tem jeito de eu ganhar quando isso acontece. Vi as horas serem
baleadas na cabeça e olhei as pessoas estudando suas listas de
barbadas, seus jornais e programas de páreos. Muitos foram embora
cedo, descendo as escadas rolantes. (Ruído de tiros lá fora,
enquanto escrevo isso, a vida volta ao normal.) Depois de uns quatro
ou cinco páreos, saio das sociais e desço para a área das
populares. Havia uma diferença. Menos brancos, é claro, mais
pobres, é claro. Lá embaixo, eu era minoria. Dei uma volta e senti
o desespero no ar. Estes eram apostadores de dois dólares. Não
apostavam nos favoritos. Apostavam na ponta, na dupla exata, na
dupla. Buscavam um monte de dinheiro com pouco dinheiro e estavam se
afogando. Se afogando na chuva. Era triste ali. Eu precisava de um
novo hobby. O hipódromo tinha mudado. Há quarenta anos, havia uma
certa alegria, mesmo entre os perdedores. Os bares ficavam lotados.
Era um pessoal diferente, uma cidade diferente, um mundo diferente.
Não havia dinheiro pra jogar pra cima, dinheiro à-merda-com-ele,
dinheiro voltaremos-amanhã. Era o fim do mundo. Roupas velhas.
Rostos retorcidos e amargurados. Era dinheiro alugado. O dinheiro a
cinco dólares a hora. O dinheiro dos desempregados, dos imigrantes
ilegais. O dinheiro dos batedores de carteira, dos assaltantes, o
dinheiro dos deserdados. O ar era sombrio. E as filas eram longas.
Faziam os pobres esperar em longas filas. E ficavam nelas para ver
seus sonhos esmagados.
Esse
era o Hollywood Park, localizado na região dos pretos, no distrito
dos centro-americanos e outras minorias.
Voltei
para cima, nas sociais, às filas menores. Entrei na fila, joguei 20
no segundo mais apostado.
“Quando
você vai fazer?”, perguntou o bilheteiro.
“Fazer
o quê?”, perguntei.
“Cobrar
algumas pules.”
“Qualquer
dia desses”, disse a ele.
Me
virei e fui embora. Escutei-o dizendo mais alguma coisa. Velho
grisalho e corcunda. Ele estava num mau dia. Muitos dos bilheteiros
apostam. Eu tentava pegar um bilheteiro diferente cada vez que
apostava, eu não queria ficar íntimo. O filho da puta passou dos
limites. Não era da sua conta se eu cobrasse os bilhetes ou não. Os
bilheteiros apostavam com você quando você estava ganhando.
Perguntavam uns aos outros: “O que ele apostou?”. Mas se você
dava a dica errada, ficavam putos. Deviam pensar por si mesmos. Só
porque eu estava lá todos os dias não significava que eu era um
apostador profissional. Eu era um escritor profissional. Às vezes.
Estava
dando uma caminhada e vi esse garoto correndo na minha direção. Eu
sabia o que era. Bloqueou meu caminho.
“Com
licença”, disse ele, “você é Charles Bukowski?”
“Charles
Darwin”, disse eu, e passei pelo lado.
Não
queria ouvir o que quer que fosse me dizer.
Assisti
ao páreo e meu cavalo chegou em segundo, vencido pelo outro
favorito. Às vezes, ou quando a pista está embarrada, a maioria dos
favoritos ganha. Não sei por que isso acontece. Mas dei no pé do
hipódromo e fui pra casa.
Cheguei
em casa, cumprimentei Linda. Verifiquei o correio.
Carta
de rejeição da Oxford
American.
Verifiquei os poemas. Nada mal, bons, mas não excepcionais. Apenas
um dia de perdedor. Mas eu ainda estava vivo. Era quase o ano 2000 e
eu ainda estava vivo, seja lá o que isso signifique.
Saímos
para jantar em um restaurante mexicano. Muita conversa sobre a luta
daquela noite. Chavez e Haugin diante de 130.000 na Cidade do México.
Achava que Haugin não tinha nenhuma chance. Ele tinha coragem, mas
não tinha pegada, movimento e já tinha passado uns três anos do
seu auge.
Aquela
noite foi como esperado. Chavez nem mesmo se sentou entre os rounds.
Quase não alterou a respiração. A coisa toda foi um evento limpo,
cabal, brutal. Os socos que Chavez dava me faziam estremecer. Era
como bater nas costelas de uma pessoa com uma marreta. Chavez
finalmente encheu o saco de lutar e o derrubou.
“Bem,
afinal”, disse para minha mulher, “pagamos para ver exatamente o
que pensávamos ver.”
A
tv foi desligada.
Amanhã,
os japoneses vêm me entrevistar. Um dos meus livros foi traduzido
para o japonês e outro está a caminho. O que vou dizer a eles?
Falar sobre cavalos? Sobre a vida sendo estrangulada nas trevas da
tribuna de honra? Talvez eles devam apenas fazer perguntas. Deveriam.
Eu era um escritor, não? Era tão estranho, mas todo mundo tinha que
ser alguma coisa, não é? Sem-teto, famoso, gay, louco, qualquer
coisa. Se eles mais uma vez fizerem sete favoritos ganharem em nove
páreos, vou começar a fazer outra coisa. Correr. Ou os museus. Ou
pintura com os dedos. Ou xadrez. Isso, merda, é tão estúpido
quanto.
Charles
Bukowski, in
O
capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio
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