segunda-feira, 9 de setembro de 2019

21/02/93 - 00:33

Fui ao hipódromo hoje, na chuva, e vi vencerem sete favoritos em nove. Não tem jeito de eu ganhar quando isso acontece. Vi as horas serem baleadas na cabeça e olhei as pessoas estudando suas listas de barbadas, seus jornais e programas de páreos. Muitos foram embora cedo, descendo as escadas rolantes. (Ruído de tiros lá fora, enquanto escrevo isso, a vida volta ao normal.) Depois de uns quatro ou cinco páreos, saio das sociais e desço para a área das populares. Havia uma diferença. Menos brancos, é claro, mais pobres, é claro. Lá embaixo, eu era minoria. Dei uma volta e senti o desespero no ar. Estes eram apostadores de dois dólares. Não apostavam nos favoritos. Apostavam na ponta, na dupla exata, na dupla. Buscavam um monte de dinheiro com pouco dinheiro e estavam se afogando. Se afogando na chuva. Era triste ali. Eu precisava de um novo hobby. O hipódromo tinha mudado. Há quarenta anos, havia uma certa alegria, mesmo entre os perdedores. Os bares ficavam lotados. Era um pessoal diferente, uma cidade diferente, um mundo diferente. Não havia dinheiro pra jogar pra cima, dinheiro à-merda-com-ele, dinheiro voltaremos-amanhã. Era o fim do mundo. Roupas velhas. Rostos retorcidos e amargurados. Era dinheiro alugado. O dinheiro a cinco dólares a hora. O dinheiro dos desempregados, dos imigrantes ilegais. O dinheiro dos batedores de carteira, dos assaltantes, o dinheiro dos deserdados. O ar era sombrio. E as filas eram longas. Faziam os pobres esperar em longas filas. E ficavam nelas para ver seus sonhos esmagados.

Esse era o Hollywood Park, localizado na região dos pretos, no distrito dos centro-americanos e outras minorias.

Voltei para cima, nas sociais, às filas menores. Entrei na fila, joguei 20 no segundo mais apostado.

Quando você vai fazer?”, perguntou o bilheteiro.

Fazer o quê?”, perguntei.

Cobrar algumas pules.”

Qualquer dia desses”, disse a ele.

Me virei e fui embora. Escutei-o dizendo mais alguma coisa. Velho grisalho e corcunda. Ele estava num mau dia. Muitos dos bilheteiros apostam. Eu tentava pegar um bilheteiro diferente cada vez que apostava, eu não queria ficar íntimo. O filho da puta passou dos limites. Não era da sua conta se eu cobrasse os bilhetes ou não. Os bilheteiros apostavam com você quando você estava ganhando. Perguntavam uns aos outros: “O que ele apostou?”. Mas se você dava a dica errada, ficavam putos. Deviam pensar por si mesmos. Só porque eu estava lá todos os dias não significava que eu era um apostador profissional. Eu era um escritor profissional. Às vezes.

Estava dando uma caminhada e vi esse garoto correndo na minha direção. Eu sabia o que era. Bloqueou meu caminho.

Com licença”, disse ele, “você é Charles Bukowski?”

Charles Darwin”, disse eu, e passei pelo lado.

Não queria ouvir o que quer que fosse me dizer.

Assisti ao páreo e meu cavalo chegou em segundo, vencido pelo outro favorito. Às vezes, ou quando a pista está embarrada, a maioria dos favoritos ganha. Não sei por que isso acontece. Mas dei no pé do hipódromo e fui pra casa.

Cheguei em casa, cumprimentei Linda. Verifiquei o correio.

Carta de rejeição da Oxford American. Verifiquei os poemas. Nada mal, bons, mas não excepcionais. Apenas um dia de perdedor. Mas eu ainda estava vivo. Era quase o ano 2000 e eu ainda estava vivo, seja lá o que isso signifique.

Saímos para jantar em um restaurante mexicano. Muita conversa sobre a luta daquela noite. Chavez e Haugin diante de 130.000 na Cidade do México. Achava que Haugin não tinha nenhuma chance. Ele tinha coragem, mas não tinha pegada, movimento e já tinha passado uns três anos do seu auge.

Aquela noite foi como esperado. Chavez nem mesmo se sentou entre os rounds. Quase não alterou a respiração. A coisa toda foi um evento limpo, cabal, brutal. Os socos que Chavez dava me faziam estremecer. Era como bater nas costelas de uma pessoa com uma marreta. Chavez finalmente encheu o saco de lutar e o derrubou.

Bem, afinal”, disse para minha mulher, “pagamos para ver exatamente o que pensávamos ver.”

A tv foi desligada.

Amanhã, os japoneses vêm me entrevistar. Um dos meus livros foi traduzido para o japonês e outro está a caminho. O que vou dizer a eles? Falar sobre cavalos? Sobre a vida sendo estrangulada nas trevas da tribuna de honra? Talvez eles devam apenas fazer perguntas. Deveriam. Eu era um escritor, não? Era tão estranho, mas todo mundo tinha que ser alguma coisa, não é? Sem-teto, famoso, gay, louco, qualquer coisa. Se eles mais uma vez fizerem sete favoritos ganharem em nove páreos, vou começar a fazer outra coisa. Correr. Ou os museus. Ou pintura com os dedos. Ou xadrez. Isso, merda, é tão estúpido quanto.

Charles Bukowski, in O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio

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