Ela
bateu tão de leve que se não estivesse atrás da porta, contando os
passos no corredor, não a teria ouvido. Abri a porta, era Leonor. Na
mão um embrulho em papel verde, marcado das primeiras gotas de
chuva.
— Entre.
— Não
devia ter vindo.
De
pé no meio da sala, com o embrulho e a sombrinha.
— Tão
linda.
— Apague
a luz.
Diante
da janela brilhou uma lâmpada na rua.
— Dá
tua sombrinha.
— Não
vou demorar.
Deixei
o pacote na mesa e a sombrinha no cabide.
— Sente-se,
anjo.
— Bem
de pé.
— Melhor
não viesse.
Um
relâmpago clareou o aposento. Leonor fez o sinal-da-cruz.
— Nossa
Mãe, valei-me!
— Não
ouço. Chegue mais perto.
— Estou
bem aqui.
Outro
relâmpago. Veio sentar-se a meu lado.
— Promete
se comportar?
— Prometo.
— Se
alguém me viu fico moça falada.
Era
não ter pressa. Comecei a alisar a mãozinha.
— Com
frio?
Ergui
a manga do casaco, beijei no braço a penugem que se arrepiava.
— Não
quero, Afonso.
— Seja
criança, meu bem.
— Eu
sabia. Não devia ter vindo.
Fui
até a janela, ridículo sem paletó. O tropel de corvos no telhado:
era a chuva.
— Não
seja mau — com voz de choro. — Sente-se aqui. Tão pouco tempo.
O
tempo era pouco, mas não devia ter pressa. Sentei-me, as mãos no
bolso. Ela deitou a cabeça no meu peito.
— Puxa,
como bate!
Beijei-lhe
a nuca, um maldito cabelo na língua.
— Aí,
me mordeu.
— Mais
perto.
— Não
devia, Afonso.
— A
porta aberta.
— Meu
bem, tenha paciência comigo.
— Tire
o casaco.
— O
que você quiser. Seja bonzinho, amor.
— Meu
anjo. Gosto tanto de você. Então ia fazer mal?
— Tanto
medo.
— Feche
os olhos.
A
chuva aos poucos havia parado.
— Chorando?
— Estou
não.
— Já
não gosta de mim, não é?
— Não
é nada.
— Sou
igual aos outros. Diga logo.
Deitada
no sofá, não se mexia. Consertei a gravata e vesti o paletó.
— Zangada
comigo?
— Eu
quis.
— Está,
sim.
Sentou-se,
pediu-me de costas o pente.
— Que
acenda a luz?
— Não,
não.
Penteava-se
de olhos no chão. Depois se ajoelhou, a mão sob o sofá.
— Que
é?
— Meu
sapato.
— O
pé tão branco, meu anjo.
— Pé
mais feio!
— Até
bonito.
— Afonso,
Afonso, você casa comigo?
A
estiagem debandou os corvos do telhado. Ela se ergueu, o embrulho
apertado na mão.
— Agora
não gosta de mim.
— Bobinha.
Você volta?
— Sim.
— Quer
um cigarro?
Acendi
o fósforo, ela o soprou. Acendi outro, tornou a soprar.
— Não
gosto de cigarro. Brincadeira.
O
cigarro na boca quando quis me beijar.
— Mau
que é. Veja, estou chorando.
— Chorando
nada.
— Tão
infeliz. Ah, se soubesse...
Agora
chorava mesmo e a chuva voltou a cair.
— Não
chore. Que alguém ouve.
Enxugou
o rosto com os dedos, foi até a porta.
— Espere
a chuva passar.
— Já
vou.
— Que
te acompanhe?
— Não
precisa.
Beijei-a
contra a porta.
— Mais
um pouco.
— É
tarde. Mamãe esperando. Assim que olhe para mim ela vai saber.
— Seja
boba.
— Basta
que olhe. Basta qualquer pessoa olhe para mim.
— Estou
olhando e não vejo nada. Você volta? Jure que volta.
— Juro.
Jurava
por tudo para sair. Acendi a luz antes de abrir a porta. Espiei o
corredor.
— Pode
sair.
Leonor
afastou-se, sem olhar para trás. O embrulho verde rasgado no canto,
nunca eu saberia o que era. Chegou à escada, desceu os degraus
apoiando-se na parede.
Fechei
a porta e olhei o cabide. Esquecera a sombrinha, iria para casa
debaixo de chuva.
Abri
a janela e chamei. Leonor não se voltou. Podia correr atrás dela,
nada aceitaria de minhas mãos.
Dalton
Trevisan, in Novelas nada exemplares
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