segunda-feira, 8 de julho de 2019

30/08/92 - 01:30

Estava descendo a escada rolante no hipódromo depois do 6 o páreo quando o garçom me viu. “Está indo pra casa agora?”, perguntou.
Eu não faria isso com você, amigo”, disse pra ele.
Os coitados têm que trazer comida da cozinha do hipódromo para os andares de cima carregando uma quantidade enorme nas bandejas. Quando os clientes fogem sem pagar, são eles que pagam a conta. Alguns dos apostadores sentam em quatro numa mesa. Os garçons poderiam trabalhar o dia inteiro e ainda dever dinheiro ao hipódromo. E os dias cheios são os piores, os garçons não podem vigiar todo mundo. E quando são pagos, os apostadores dão umas gorjetas miseráveis.


Desci para o primeiro andar e fui para fora, fiquei tomando sol. Estava ótimo lá. Talvez eu venha para o hipódromo e só fique tomando sol. Raramente penso em escrever lá, mas o fiz desta vez. Pensei em algo que tinha lido recentemente, que eu era provavelmente o poeta americano mais vendido e o mais influente, mais copiado. Que estranho. Bem, à merda com isso. Tudo que importava era a próxima vez que eu sentaria no computador. Se ainda pudesse fazer isso, estaria vivo; se não, tudo o que tinha acontecido antes pouco significaria para mim. Mas o que estava fazendo, pensando sobre escrever? Eu estava pirando. Não pensava sobre escrever nem mesmo quando estava escrevendo. Daí, ouvi a chamada para a largada, dei a volta, entrei e fui de novo para a escada rolante. Na subida, passei por um cara que me devia dinheiro. Ele olhou para baixo. Fingi que não o tinha visto. Não fez a menor diferença depois que ele me pagou, porque pediu a grana emprestada de volta. Um velho veio até mim, mais cedo: “Me dá 60 centavos!”. Isso era suficiente para uma aposta de dois paus, mais uma chance para sonhar. Era um lugar desgraçado e triste, mas quase todos os lugares são. Não havia outro lugar para ir. Bem, havia, você poderia ir para o seu quarto e fechar a porta, mas daí sua mulher ia ficar deprimida. Ou mais deprimida. A América era a Terra das Esposas Deprimidas. E era culpa dos homens. Claro. De quem mais? Não se poderia culpar os pássaros, os cachorros, os gatos, as minhocas, os ratos, as aranhas, os peixes, os etc. Eram os homens. E os homens não podiam se permitir ficar deprimidos, se não o barco inteiro afundava. Bem, que diabos.
Voltei à minha mesa. Três caras estavam na mesa ao lado e tinham um garotinho com eles. Cada mesa tinha um pequeno aparelho de tv, só que o deles estava ligado no volume MÁXIMO. O garoto tinha ligado numa comédia e era legal que os homens deixassem o garoto ver seu programa. Mas ele não estava prestando a menor atenção a ele, não estava ouvindo, estava sentado lá empurrando um pedaço de papel enrolado. Ele jogava o papel contra as xícaras, e daí pegava o papel e jogava dentro de uma outra xícara. Algumas das xícaras estavam cheias de café. Mas os homens continuaram a falar sobre cavalos. Meu Deus, aquela tv estava ALTA. Pensei em dizer alguma coisa pros caras, pedir que abaixassem um pouco a tv. Mas eram pretos e iriam pensar que eu era racista. Saí da mesa e fui até os guichês. Não tive sorte, entrei numa fila lenta. Na frente, tinha um cara velho com dificuldade de fazer suas apostas. Estava com a sua lista aberta na frente do guichê, junto com seu programa, e hesitava muito sobre o que queria fazer. Provavelmente, vivia num asilo de velhos ou em algum tipo de instituição, mas saiu para passar um dia no hipódromo. Bem, não existe nenhuma lei contra isso e nenhuma lei contra ele estar atrapalhado. Mas, de alguma forma, incomodava. Jesus, não tenho que sofrer isso, pensei. Tinha memorizado a parte de trás de sua cabeça, suas orelhas, suas roupas, as costas curvadas. Os cavalos estavam se aproximando do partidor. Todo mundo estava gritando com ele. Ele nem notou. Então, dolorosamente, o vimos pegar a carteira lentamente. Câmera lenta, lenta. Abriu-a e olhou dentro dela. Daí, enfiou os dedos lá dentro. Não quero mais continuar. Finalmente, pagou, e o bilheteiro lentamente devolveu o troco. Daí, ele ficou lá olhando o dinheiro e as pules, voltou-se para o bilheteiro e disse: “Não, eu queria a dupla exata 6-4, não era isso...”. Alguém gritou uma obscenidade. Saí dali. Os cavalos saltaram do partidor e fui ao banheiro mijar.
Quando voltei, o garçom tinha minha conta pronta. Paguei, dei uma gorjeta de 20% e agradeci.
Te vejo amanhã, amigo”, disse ele.
Talvez”, eu disse.
Você vai estar aqui”, disse ele.
Os outros páreos continuaram. Apostei cedo no 9 o e fui embora. Saí 10 minutos antes da formação. Entrei no meu carro e saí. No final do estacionamento no Century Boulevard, ao lado do sinal, havia uma ambulância, um carro de bombeiros e dois carros da polícia. Dois carros tinham batido de frente. Havia vidro por todo lado, os carros estavam totalmente destruídos. Alguém estava com pressa para entrar e alguém estava com pressa para sair. Apostadores de cavalos.
Passei pelo lado do acidente e entrei à esquerda na Century.
Mais um dia baleado na cabeça e enterrado. Foi outro sábado de tarde no inferno. Dirigi junto com os outros.
Charles Bukowski, in O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio

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