sábado, 15 de junho de 2019

Trabucar duro, para dormir bem!

A cómodo ele começou, nesse dia, nessa hora; não esbarrou mais. Achou de ir ver o lugar da cova, e as armas e trens que Medeiro Vaz deixava, essas determinou que, o morto não tendo parentes, então para os melhores mais chegados como lembrança ficassem: as carabinas e revólveres, a automática de rompida e ronco, punhal, facão, o capote, o cantil revestido, as capangas e alforjes, as cartucheiras de trespassar. Alguém disse que o cavalo grande, murzelo-mancho, devia de ficar sendo dele mesmo. Não quis. Chamou Marcelino Pampa, a ele fez donativo grave: ― Este animal é vosso, Marcelino, merecido. Porque eu ainda estou para ver outro com igual siso e caráter! Apertou a mão dele, num toques. Marcelino Pampa dobrou de ar, perturbado. Desse fato em diante, era capaz de se morrer, por Zé Bebelo. Mas, para si mesmo, Zé Bebelo guardou somente o pelego berbezim, de forrar sela, e um bentinho milagroso, em três baetas confeccionado.
Daí, levou a eito, vendo, examinando, disquirindo. Aprendeu os nomes, de um em um, e em que lugar nascido, resumo da vida, quantos combates, e que gostos tinha, qualquer ofício de habilidade. Olhou e contou as pencas de munição e as armas.
Repassou os cavalos, prezando os mais bem ferrados e os de aguentada firmeza. ― Ferraduras, ferraduras! Isto é que é importante... ― vivia dizendo. Repartiu os homens em quatro pelotões ― três drongos de quinze, e um de vinte ― em cada um ao menos um bom rastreador. ― Carecemos de quatro buzinas de caçador, para os avisos... ― reclamou. Ele mesmo tinha um apito, pendurado do pescoço, que de muito longe se atendia. Para capitanear os drongos, escolheu! Marcelino Pampa, João Concliz, e o Fafafa. Pessoalmente, ficou com o maior, o de vinte ― nesse figuravam os cinco urucuianos, e eu, Diadorim, Sesfrêdo, o Quipes, Joaquim Beijú, Coscorão, Dimas Dôido, o Acauã, Mão-de-Lixa, Marruaz, o Crédo, Marimbondo, Rasga-em-Baixo, Jiribibe e Jõe Bexiguento, dito Alparcatas. Só que, tidos todos repartidos, ainda sobravam nove ― serviram para esquadrão adeparte, tomar conta dos burros cargueiros, com petrechos e mantimentos. O testa deles foi Alaripe, por bom que fosse para tudo ser. Aos esses, mesmo, se comediu obrigação! Quim Queiroz zelava os volumes de balas; o Jacaré exercia de cozinheiro, todo tempo devia de dizer o de comer que precisava ou faltava; Doristino, ferrador dos animais, tratador deles; e os outros ajudavam; mas Raymundo Lé, que entendia de curas e meizinhas, teve cargo de guardar sempre um surrão com remédios. O que, remédio, por ora, não havia nenhum. Mas Zé Bebelo não se atontava! ― Aí em qualquer parte, depois, se compra, se acha, meu filho. Mas, vai apanhando folha e raiz, vai tendo, vai enchendo... O que eu quero é ver o surrão à mão... O acampamento da gente parecia uma cidade.
Assuntos principais, Zé Bebelo fazia lição, e deduzia ordens.
Trabucar duro, para dormir bem! ― publicava. Gostadamente! ― Morrendo eu, depois vocês descansam... ― e ria!
Mas eu não morro... Sujeito muito lógico, o senhor sabe! Cega qualquer nó. E ― engraçado dizer ― a gente apreciava aquilo. Dava uma esperança forte. Ao um modo, melhor que tudo é se cuidar miudamente trabalhos de paz em tempo de guerra. O mais eram traquejos, a cavalo, para lá e para cá, ou esbarrados firmes em formatura, então Zé Bebelo perequitava, assoviando, manobrava as patrulhas, vai-te, volta-te. Somente: ― Arre, temos nenhum tempo, gente! Capricha... Sempre, no fim, por animar, levantava demais o braço: ― Ainda quero passar, a cavalos, levando vocês, em grandes cidades! Aqui o que me faz falta é uma bandeira, e tambor e cornetas, metais mais... Mas hei-de! Ah, que vamos em Carinhanha e Montes Claros, ali, no haja vinho... Arranchar no mercado da Diamantina... Eh, vamos no Paracatú-do-Príncipe!... Que boca, que o apito: apitava.
A sério, ele me chamava para o lado dele, e ia mandando vir outros ― Marcelino Pampa, João Concliz, Diadorim, o urucuiano Pantaleão, e o Fafafa, vice-mandantes. Todos tinham de expor o que sabiam daquele gerais território: as distâncias em léguas e braças, os váus, o grau de fundo dos marimbús e dos poços, os mandembes onde se esconder, os mais fartos pastos. Como Zé Bebelo simplificava os olhos, e perguntando e ouvindo avante. As vezes riscava com ponta duma vara no chão, tudo representado. Ia organizando aquilo na cabeça. Estava aprendido. Com pouco, sabia mais do que nós juntos todos. Bem eu conhecia Zé Bebelo, de outros currais! Bem eu desejasse ter nascido como ele... Aí, saía, por caçar. Sucinto que gostava de caçar; mas estava era sujeitando a exame o morro, discriminando. O mato e o campo ― como dois é um par. Veio e foi, figurava, tomava a opinião da gente: ― Com dez homens, naquela altura, e outros dez espalhados na vertente, se podia impedir a passagem de duzentos cavaleiros, pelo resfriado... Com outros alguns, dando a retaguarda, então... Nestartes, só nisso ele pensava, quase que. Sendo que expedia, sobre hora, alguém adiante, se informar do meximento dos Judas, trazer notícias vivas. E, homem feliz, feito Zé Bebelo naquele tempo, afirmo ao senhor, nunca não vi.
Guimarães Rosa, in Grande sertão: veredas

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