A
cómodo ele começou, nesse dia, nessa hora; não esbarrou mais.
Achou de ir ver o lugar da cova, e as armas e trens que Medeiro Vaz
deixava, essas determinou que, o morto não tendo parentes, então
para os melhores mais chegados como lembrança ficassem: as carabinas
e revólveres, a automática de rompida e ronco, punhal, facão, o
capote, o cantil revestido, as capangas e alforjes, as cartucheiras
de trespassar. Alguém disse que o cavalo grande, murzelo-mancho,
devia de ficar sendo dele mesmo. Não quis. Chamou Marcelino Pampa, a
ele fez donativo grave: ― Este animal é vosso, Marcelino,
merecido. Porque eu ainda estou para ver outro com igual siso e
caráter! Apertou a mão dele, num toques. Marcelino Pampa dobrou de
ar, perturbado. Desse fato em diante, era capaz de se morrer, por Zé
Bebelo. Mas, para si mesmo, Zé Bebelo guardou somente o pelego
berbezim, de forrar sela, e um bentinho milagroso, em três baetas
confeccionado.
Daí,
levou a eito, vendo, examinando, disquirindo. Aprendeu os nomes, de
um em um, e em que lugar nascido, resumo da vida, quantos combates, e
que gostos tinha, qualquer ofício de habilidade. Olhou e contou as
pencas de munição e as armas.
Repassou
os cavalos, prezando os mais bem ferrados e os de aguentada firmeza.
― Ferraduras, ferraduras! Isto é que é importante... ― vivia
dizendo. Repartiu os homens em quatro pelotões ― três drongos de
quinze, e um de vinte ― em cada um ao menos um bom rastreador. ―
Carecemos de quatro buzinas de caçador, para os avisos... ―
reclamou. Ele mesmo tinha um apito, pendurado do pescoço, que de
muito longe se atendia. Para capitanear os drongos, escolheu!
Marcelino Pampa, João Concliz, e o Fafafa. Pessoalmente, ficou com o
maior, o de vinte ― nesse figuravam os cinco urucuianos, e eu,
Diadorim, Sesfrêdo, o Quipes, Joaquim Beijú, Coscorão, Dimas
Dôido, o Acauã, Mão-de-Lixa, Marruaz, o Crédo, Marimbondo,
Rasga-em-Baixo, Jiribibe e Jõe Bexiguento, dito Alparcatas. Só que,
tidos todos repartidos, ainda sobravam nove ― serviram para
esquadrão adeparte, tomar conta dos burros cargueiros, com petrechos
e mantimentos. O testa deles foi Alaripe, por bom que fosse para tudo
ser. Aos esses, mesmo, se comediu obrigação! Quim Queiroz zelava os
volumes de balas; o Jacaré exercia de cozinheiro, todo tempo devia
de dizer o de comer que precisava ou faltava; Doristino, ferrador dos
animais, tratador deles; e os outros ajudavam; mas Raymundo Lé, que
entendia de curas e meizinhas, teve cargo de guardar sempre um surrão
com remédios. O que, remédio, por ora, não havia nenhum. Mas Zé
Bebelo não se atontava! ― Aí em qualquer parte, depois, se
compra, se acha, meu filho. Mas, vai apanhando folha e raiz, vai
tendo, vai enchendo... O que eu quero é ver o surrão à mão... O
acampamento da gente parecia uma cidade.
Assuntos
principais, Zé Bebelo fazia lição, e deduzia ordens.
― Trabucar
duro, para dormir bem! ― publicava. Gostadamente! ― Morrendo eu,
depois vocês descansam... ― e ria!
― Mas
eu não morro... Sujeito muito lógico, o senhor sabe! Cega qualquer
nó. E ― engraçado dizer ― a gente apreciava aquilo. Dava uma
esperança forte. Ao um modo, melhor que tudo é se cuidar miudamente
trabalhos de paz em tempo de guerra. O mais eram traquejos, a cavalo,
para lá e para cá, ou esbarrados firmes em formatura, então Zé
Bebelo perequitava, assoviando, manobrava as patrulhas, vai-te,
volta-te. Somente: ― Arre, temos nenhum tempo, gente! Capricha...
Sempre, no fim, por animar, levantava demais o braço: ― Ainda
quero passar, a cavalos, levando vocês, em grandes cidades! Aqui o
que me faz falta é uma bandeira, e tambor e cornetas, metais mais...
Mas hei-de! Ah, que vamos em Carinhanha e Montes Claros, ali, no haja
vinho... Arranchar no mercado da Diamantina... Eh, vamos no
Paracatú-do-Príncipe!... Que boca, que o apito: apitava.
A
sério, ele me chamava para o lado dele, e ia mandando vir outros ―
Marcelino Pampa, João Concliz, Diadorim, o urucuiano Pantaleão, e o
Fafafa, vice-mandantes. Todos tinham de expor o que sabiam daquele
gerais território: as distâncias em léguas e braças, os váus, o
grau de fundo dos marimbús e dos poços, os mandembes onde se
esconder, os mais fartos pastos. Como Zé Bebelo simplificava os
olhos, e perguntando e ouvindo avante. As vezes riscava com ponta
duma vara no chão, tudo representado. Ia organizando aquilo na
cabeça. Estava aprendido. Com pouco, sabia mais do que nós juntos
todos. Bem eu conhecia Zé Bebelo, de outros currais! Bem eu
desejasse ter nascido como ele... Aí, saía, por caçar. Sucinto que
gostava de caçar; mas estava era sujeitando a exame o morro,
discriminando. O mato e o campo ― como dois é um par. Veio e foi,
figurava, tomava a opinião da gente: ― Com dez homens, naquela
altura, e outros dez espalhados na vertente, se podia impedir a
passagem de duzentos cavaleiros, pelo resfriado... Com outros alguns,
dando a retaguarda, então... Nestartes, só nisso ele pensava, quase
que. Sendo que expedia, sobre hora, alguém adiante, se informar do
meximento dos Judas, trazer notícias vivas. E, homem feliz, feito Zé
Bebelo naquele tempo, afirmo ao senhor, nunca não vi.
Guimarães
Rosa, in Grande sertão: veredas
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