Sete horas da manhã. Campainha na porta.
- Dez minutos de água, pessoal!
É a voz do seu Abel, o porteiro do meu
edifício.
Água quer dizer banho. Há dois dias
este corpinho só vê fricções de água-de-colônia. A ablução é
um tanto ou quanto matinal demais, mas não há remédio: o homem é
um escravo do quarto elemento, de que é ele próprio o composto
químico: H-O-N-C. Os dois primeiros em combinação, dão água:
H20. É ela!
A correria é infernal, enche-se desde o
tanque de lavar roupa até os copos da casa. A lavação da louça
suja é feita a toda, como para ganhar um campeonato. Ouvem-se
profusas descargas de latrinas, torneiras escorrem ruidosamente,
enchendo recipientes dos quais a banheira é o mais capaz. A barba é
feita em dois minutos, havendo eu, muito de indústria, deixado
pincel e aparelho adrede preparados. Depois vem o banho, às
carreiras. Mas a verdade é que o tempo útil voa impressentido.
Depois de bem ensaboado, o chuveiro começa a minguar
assustadoramente, acabando por estar com um sinistro gorgolejo.
O nome feio anda pela casa, atravessa
paredes, vai encontrar eco em outros apartamentos, desdobra-se até
longínquos bairros, toma a cidade inteira. De repente todo mundo
põe-se a berrá-lo em uníssono. Ele é a expressão viva da
realidade carioca. Aliás, um grande general de Napoleão já o usara
em circunstâncias talvez não tão dramáticas, mas com vigor. Um
homem ensaboado não se pode dizer que valha por dois, porque é o
ser mais infeliz e ridículo da criação. Tem de se haver com o
sistema da cuia. Seu corpo esfria, ele fica com um ar de pinto
molhado. É absolutamente lamentável.
Ontem à noite, o café foi feito com
água mineral. Ficou com um gosto meio velhaco, mas não há de ser
nada. É de esperar, contudo, que o recurso não se tenha de estender
ao próprio banho, porque com a mineral a Cr$ 180, e sendo
necessários uns cem litros para encher uma banheira, sai cada banho
a 18 contos - o que torna a prática proibitiva para a classe média,
ficando acessível apenas a uns poucos homens ricos e bem nutridos,
que aliás devem ficar umas gracinhas dentro de um banho de água
mineral, agitando os braços gordos e soltando milhões de
borbulhas....
Vinicius
de Moraes, in Prosa
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