Não
sendo meu costume dissimular ou esconder nada, contarei nesta página
o caso do muro. Eles estavam prestes a embarcar. Entrando em casa de
Dona Plácida, vi um papelinho dobrado sobre a mesa; era um bilhete
de Virgília; dizia que me esperava à noite, na chácara, sem falta.
E concluía: “O muro é baixo do lado do beco.”
Fiz
um gesto de desagrado. A carta pareceu-me descomunalmente audaciosa,
mal pensada e até ridícula. Não era só convidar o escândalo, era
convidá-lo de parceria com a risota.
Imaginei-me
a saltar o muro, embora baixo e do lado do beco; e, quando ia a
galgá-lo, via-me agarrado por um pedestre de polícia, que me levava
ao corpo da guarda. O muro é baixo! E que tinha que fosse baixo?
Naturalmente Virgília não soube o que fez; era possível que já
estivesse arrependida. Olhei para o papel, um pedaço de papel
amarrotado, mas inflexível. Tive comichões de o rasgar, em trinta
mil pedaços, e atirá-los ao vento, como o último despojo da minha
aventura; mas recuei a tempo; o amor-próprio, o vexame da fuga, a
ideia do medo...
Não
havia remédio senão ir.
-
Diga-lhe que vou.
-
Aonde? perguntou Dona Plácida.
-
Onde ela disse que me espera.
-
Não me disse nada.
-
Neste papel.
Dona
Plácida arregalou os olhos: - Mas esse papel, achei-o hoje de manhã,
nesta sua gaveta, e pensei que...
Tive
uma sensação esquisita. Reli o papel, mirei-o, remirei-o; era, em
verdade, um antigo bilhete de Virgília, recebido no começo dos
nossos amores, uma certa entrevista na chácara, que me levou
efetivamente a saltar o muro, um muro baixo e discreto. Guardei o
papel e... Tive uma sensação esquisita.
Machado
de Assis, in Memórias póstumas de Brás Cubas
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