Dia
ruim no hipódromo. No caminho pra lá, sempre fico ruminando sobre
qual sistema usar. Devo ter uns seis ou sete. E, certamente, escolhi
o errado. Ainda assim, nunca vou perder meu rabo nem a cabeça no
hipódromo. É que eu não aposto tanto. Os anos de pobreza me
tornaram cauteloso. Mesmo os dias que ganho não são fantásticos.
Mas prefiro estar certo do que errado, especialmente quando dou horas
da minha vida. Pode-se sentir que o tempo está sendo literalmente
assassinado lá. Hoje, estavam se aproximando da partida do 2 o
páreo. Ainda faltavam três minutos e os cavalos e os jóqueis se
aproximavam lentamente. Por alguma razão, parecia um tempo
agonizantemente longo pra mim. Quando você tem 70 anos, incomoda
mais que alguém foda com seu tempo. Tá bem, sei que eu mesmo me
coloquei na situação de ser fodido.
Costumava
ir nas corridas de cachorros à noite, no Arizona. Só que lá eles
sabiam o que estavam fazendo. Era só você virar as costas para
buscar uma bebida e já estava saindo um outro páreo. Sem 30 minutos
de intervalo. Zip, zip, corriam um depois do outro. Era estimulante.
O ar da noite era frio e a ação, contínua. Você não achava que
alguém estava tentando cortar seu saco entre os páreos. E depois
que tudo terminava, você não estava cansado. Podia beber pelo resto
da noite e brigar com sua namorada.
Mas
com os cavalos é um inferno. Fico isolado. Não falo com ninguém.
Isso ajuda. Bem, os bilheteiros me conhecem. Tenho que ir até os
guichês e usar minha voz. Ao longo dos anos, passam a te conhecer. E
a maioria é bem legal. Acho que os anos que passaram lidando com a
humanidade lhes deram uma certa visão. Por exemplo, sabem que a
maior parte da raça humana é uma grande merda. Mesmo assim,
mantenho distância dos bilheteiros. Guardando meus conselhos para
mim mesmo, tenho uma vantagem. Poderia ficar em casa e fazer isso.
Poderia trancar a porta e brincar com tintas ou qualquer coisa assim.
Mas, de alguma forma, tenho que sair, e ter certeza de que toda a
humanidade é uma grande merda. Como se fosse mudar! Ei, cara, você
deve ser louco. Mas existe alguma coisa lá, isto é, não penso em
morrer lá, por exemplo, lá você se sente burro demais para
conseguir pensar. Apesar disso, já levei um caderno, bem, escreveria
alguma coisa entre os páreos. Impossível. O ar é denso e pesado,
somos todos membros voluntários de um campo de concentração.
Quando chego em casa, daí posso pensar na morte. Só um pouquinho.
Não muito. Não me preocupo com a morte ou não tenho pena de
morrer. Parece uma tarefa desgraçada. Quando? Na próxima
quarta-feira à noite? Ou quando estiver dormindo? Ou por causa da
próxima terrível ressaca? Acidente de trânsito? É uma carga, é
uma coisa que deve ser feita. E vou morrer sem acreditar em Deus.
Isso vai ser bom, posso enfrentá-la de cabeça em pé. É uma coisa
que você tem que fazer, como calçar os sapatos de manhã. Acho que
vou ter saudades de escrever. Escrever é melhor que beber. E
escrever enquanto você está bebendo sempre faz as paredes dançarem.
Talvez haja um inferno, será? Se houver, lá estarei e sabem o que
mais? Todos os poetas estarão lá, lendo seus trabalhos e eu vou ter
que ouvir. Serei afogado por sua elegante vaidade, por sua
transbordante autoestima. Se houver um inferno, este será o meu: um
poeta atrás do outro lendo sem parar...
De
qualquer forma, um dia especialmente ruim. Esse sistema que
geralmente funcionava não funcionou. Os deuses embaralharam as
cartas. O tempo está mutilado e você é um idiota. Mas o tempo foi
feito para ser desperdiçado. O que você vai fazer em relação a
isso? Você não pode estar sempre a mil. Você para e anda. Você
chega ao topo e depois cai num buraco negro. Você tem um gato? Ou
gatos? Eles dormem, cara. Podem dormir 20 horas por dia e são
lindos. Sabem que não há nada para se preocupar. A próxima
refeição. E alguma coisinha para matar de vez em quando. Quando
estou sendo dilacerado pelas forças, olho para um ou vários dos
meus gatos. É só olhar para um deles dormindo ou meio dormindo e
relaxo. Escrever também é meu gato. Escrever me faz enfrentar as
coisas. Me acalma. Por algum tempo, pelo menos. Daí, meus fios se
cruzam e tenho que fazer tudo de novo. Não consigo entender os
escritores que decidem parar de escrever. Como eles esfriam?
Bem,
o hipódromo estava chato e morto hoje, mas aqui estou de volta em
casa e haverá um amanhã, muito provavelmente. Como consigo fazer
isso?
Charles
Bukowski, in O capitão saiu para o almoço e os marinheiros
tomaram conta do navio
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