quarta-feira, 22 de maio de 2019

Um cerco bem-sucedido

Arrumei uma bela Fiat emprestada para nossa excursão, e no sábado às duas horas fui buscar Martin, que me esperava em frente à sua casa. Logo em seguida partimos. Era julho e fazia um calor terrível.
Queríamos chegar a B... o mais cedo possível, mas parei o carro numa cidadezinha onde avistamos dois jovens com calções de ginástica e cabelos molhados. Perto, atrás das casas, havia um lago. Sentia necessidade de me refrescar; Martin aceitou a ideia.
Vestimos nossos calções de banho e mergulhamos. Eu teria chegado facilmente ao outro lado do lago, mas Martin limitou-se a mergulhar, sacudir-se e sair. Ao pisar de novo na margem, depois de atravessar o lago em sentido inverso, encontrei-o perdido em profunda contemplação. Um grupo de crianças brincava ruidosamente à beira da água, alguns jovens da cidade jogavam bola um pouco mais longe, mas Martin mantinha os olhos fixos no corpo vigoroso de uma jovem que estava a uns quinze metros, de costas para nós. Ela contemplava, numa imobilidade quase perfeita, as águas do lago.
Olhe — disse Martin.
Estou olhando.
O que você acha?
O que você quer que eu diga?
Você não sabe o que deveria dizer?
Tenho de esperar que ela se vire.
Eu não preciso esperar que ela se vire. O que ela mostra deste lado já é mais do que suficiente.
Está certo! mas não temos tempo de fazer nada com ela.
O cerco — retrucou Martin —, o cerco!
Voltou-se para um garoto que enfiava um calção de ginástica.
Ei, menino, por favor, você sabe o nome daquela moça? — Mostrou com o dedo a moça que continuava na mesma posição, presa de estranha apatia.
Aquela?
Sim, aquela.
Ela não é daqui — respondeu o garoto.
Martin dirigiu-se então a uma menina de uns doze anos que tomava banho de sol perto de nós.
Garota, você sabe quem é aquela moça, aquela que está em pé perto da água?
A menina se levantou, obedecendo: — Aquela lá longe?
É.
É Maria.
Maria o quê?
Maria Panek, de Puzdrany...
A moça continuava à beira do lago, de costas para nós. Abaixava-se para pegar sua touca de banho, e quando se levantou para colocá-la nos cabelos Martin já estava de novo perto de mim: — É uma tal de Maria Panek, de Puzdrany. Podemos ir embora!
Estava completamente calmo, de novo tranquilo, e era visível que só pensava em prosseguir viagem.
Milan Kundera, in Risíveis Amores

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