terça-feira, 14 de maio de 2019

09/12/91 - 01:18

A maré está vazante. Sento e olho para um clipe de papel durante cinco minutos. Ontem, voltando na freeway, estava anoitecendo. Havia um pouco de neblina. O Natal está chegando como um arpão. De repente, me dou conta que estou quase sozinho. Então, na estrada, vi um grande para-choque grudado num pedaço da cerca. Evitei-o a tempo, depois olhei para a direita. Havia uma carambola de carros, quatro ou cinco, mas estava tudo silencioso, sem movimento, ninguém em volta, sem fogo, sem fumaça, sem faróis. Estava indo rápido demais para ver se havia pessoas nos carros. Então, de repente, ficou noite. Às vezes, não há nenhum aviso. As coisas acontecem em segundos. Tudo muda. Você está vivo. Você está morto. E as coisas continuam.
Somos finos como papel. Existimos por acaso entre as percentagens, temporariamente. E esta é a melhor e a pior parte, o fator temporal. E não há nada que se possa fazer sobre isso. Você pode sentar no topo de uma montanha e meditar por décadas e nada vai mudar. Você pode mudar a si mesmo para ser aceitável, mas talvez isso também esteja errado. Talvez pensemos demais. Sinta mais, pense menos.
Todos os carros na carambola pareciam ser de cor cinza. Estranho.
Gosto da forma com que os filósofos destroem os conceitos e as teorias que os precederam. Isso tem acontecido há séculos. Não, não é assim, dizem. É desse jeito. Isto continua sem parar e parece lógica, esta continuidade. O principal problema é que os filósofos devem humanizar sua linguagem, torná-la mais acessível, então os pensamentos se iluminam mais, ficam ainda mais interessantes. Acho que estão aprendendo a fazer isso. A simplicidade é essencial.
Ao escrever, você deve deslizar. As palavras podem ser distorcidas e instáveis, mas se deslizam, há um certo deleite que ilumina tudo. O escrever cuidadoso é mortal. Acho que Sherwood Anderson foi um dos que melhor brincou com as palavras, como se fossem pedras, ou pedaços de comida para serem comidos. PINTAVA as palavras no papel. E elas eram tão simples que você sentia fachos de luz, portas abrindo, paredes brilhando. Você via tapetes, sapatos e dedos. Ele tinha as palavras. Maravilhoso. Mas também eram como balas de revólver. Te atingiam direto. Sherwood sabia alguma coisa, tinha o instinto. Hemingway tentava demais. Você sentia o trabalho duro em seus livros. Eram blocos rígidos, colados. E Anderson podia rir enquanto te contava algo sério. Hemingway nunca conseguiu rir. Quem escreve de pé às seis da manhã não tem senso de humor. Quer derrotar alguma coisa.
Cansado esta noite. Não durmo o suficiente. Adoraria dormir até o meio-dia, mas com o primeiro páreo às 12:30, mais o caminho e aprontar os números, tenho que sair daqui às 11 da manhã, antes do carteiro chegar. E raramente vou dormir antes das duas da manhã. Levanto umas duas vezes para mijar. Um dos gatos me acorda às seis da manhã, exatamente, todas as manhãs, tem que sair. Também, os corações solitários gostam de ligar antes das dez. Não atendo, a secretária eletrônica pega os recados. Quero dizer, meu sono é interrompido. Mas se é só isso que tenho para reclamar, estou em grande forma.
Sem cavalos nos próximos dois dias. Não vou me levantar antes do meio-dia amanhã e me sinto como uma usina elétrica, dez anos mais jovem. Diabos, é de morrer de rir – dez anos mais moço me faz ter 61, vocês acham isso legal? Me deixem chorar, me deixem chorar.
É uma da manhã. Por que não paro agora e vou dormir?
Charles Bukowski, in O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio

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