Saiu
à rua, estranhou bastante. Para dizer a verdade, ficou completamente
confuso. Existia uma palavra, aparvalhado, que seu pai costumava
usar, diante de situações absurdas. E aquela, certamente, era uma
delas. “Estou aparvalhado”, disse consigo mesmo. Não disse,
pensou. Isso de falar com a gente mesmo não existe, é uma frase de
retórica. Seria retórica?
Estava
indeciso. Não sabia se voltava para dentro de casa, se continuava a
andar em direção ao ponto de ônibus, se ficava parado na calçada.
E se perguntasse a alguém o que se passava? Sempre ouvira dizer que
quando se pergunta se obtém, de volta, uma resposta. A resposta deve
ser, por obrigação, uma definição exata e concreta, ou então
pode gerar uma outra pergunta. As melhores respostas são aquelas que
atingem o objetivo de imediato, calando o interlocutor. Tornando-o
inofensivo.
Parou
um homem:
– O
senhor pode me dizer o que está acontecendo?
– O
senhor me conhece?
– Não.
– Então,
como faz uma pergunta a alguém que não conhece?
– Só
quero uma informação.
– Pensou
que, se não te conheço, posso dar a informação errada?
Pronto,
tinha perguntado errado. A boa pergunta traz uma boa resposta, não
uma nova pergunta. Como sair desta? Ficou mais confuso. “Este é um
dia em que eu não devia ter saído de casa.”
– Por
que o senhor não se apresenta?
– Me
apresentar?
– Se
apresente a mim. Ficamos nos conhecendo, trocamos nossos cartões de
visita, marcamos um novo encontro. Iniciamos uma amizade. E aí então
o senhor pode me perguntar que responderei. Combinado?
– Está
bem. Sou Paulo Neves, bancário, 27 anos, signo de Gêmeos, solteiro,
sem telefone, moro com meus pais, trabalho há dez anos na mesma
empresa, optei pelo Fundo de Garantia, vejo televisão, compro Avon
quando a campainha soa.
– Passar
bem, meu senhor. Não quero saber de mais nada.
Tentou
segurar o braço do outro, o homem deu um puxão, como se um leproso
(ou seria canceroso?) tivesse tocado nele. Era um homem cheio de
preconceitos quanto a doenças. Tomava, todas as manhãs e todas as
noites, uma colher de antibióticos. Para se imunizar.
“E
agora? O que vou fazer? Como saber?”, pensava consigo mesmo o outro
homem, aquele que tinha saído de casa e ficado confuso. Pensar
consigo mesmo. Outra bobagem. Como pensar com os outros, a não ser
em telepatia? Ele era assim, raciocinava sobre cada coisa que dizia,
fazia, pensava. A todo instante estava se autoanalisando, refletindo,
meditando, para se colocar no mundo. Tinham lhe ensinado a fazer
isto. E no entanto vivia cada dia mais confuso.
Súbito
ficou com raiva. Pulou na frente de outro passante.
– O
senhor aí. Vai responder a uma pergunta minha? E já!
– O
que há, meu amigo?
– Vai
responder sem que eu me apresente. Sem que eu repita a você que sou
Paulo Neves, bancário, 27 anos, signo de Gêmeos, solteiro, sem
telefone, moro com meus pais, trabalho há dez anos na mesma empresa,
optei pelo Fundo de Garantia, vejo televisão, compro Avon quando a
campainha soa.
– Está
bem, respondo.
– Responde?
– Claro.
– Me
diz. Tudo me parece estranho hoje. Está acontecendo alguma coisa?
– Não,
está tudo normal.
Mas
ele sabia que não estava. Afinal, as pessoas estavam andando sobre
os pés e não sobre as mãos. Todos tinham dois braços e dois
olhos. E a boca, coisa surpreendente, estava bem abaixo do nariz. A
cabeça era disposta sobre um rolo de carne circular, completamente
desproporcional ao resto do corpo. Havia mulheres e homens, calçadas
e casas, carros e carroças, coisas que já tinham desaparecido. Mas
não é possível que ele estivesse louco. Decidiu. Arrancou a
cabeça. Jogou no meio da rua.
Ignácio
de Loyola Brandão, in Cadeiras proibidas
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