Dia
horrível no hipódromo, não tanto em dinheiro perdido, talvez até
tenha ganho um pouco, mas a sensação lá estava horrível. Era como
se eu estivesse perdendo tempo e, sabe, não me resta muito tempo. Os
mesmos rostos, a mesma taxa de 18 por cento. Às vezes, me sinto como
se estivéssemos todos presos num filme. Sabemos nossas falas, onde
caminhar, como atuar, só que não há uma câmera. No entanto, não
conseguimos sair do filme. E é um filme ruim. Conheço os
funcionários dos guichês bem demais. Às vezes, conversamos um
pouco enquanto faço as apostas. Gostaria de encontrar um funcionário
indiferente, que simplesmente furasse minhas pules e não dissesse
nada. No fim, todos se tornam sociáveis. Estão de saco cheio. E
também estão em guarda: muitos dos jogadores são um pouco malucos.
Com frequência, há brigas com os funcionários, sirenes soam alto e
a segurança vem correndo. Falando conosco, os funcionários podem
ter uma ideia sobre nós. Sentem-se mais seguros assim. Preferem o
apostador amistoso.
Para
mim, os jogadores são mais fáceis. Os regulares sabem que sou algum
tipo de louco e que não quero falar com eles. Estou sempre
trabalhando em um novo sistema, muitas vezes mudo de sistema no meio
do caminho. Estou sempre tentando fazer com que os números se
encaixem ao redor da possibilidade real, tentando codificar a loucura
em um simples número ou grupo de números. Quero entender a vida,
acontecimentos na vida. Li um artigo que afirmava que já faz um
longo tempo que, no xadrez, se acreditava que um rei, um bispo e uma
torre eram iguais a um rei e dois cavalos. Uma máquina Los Alamos
com 65.536 processadores foi colocada em funcionamento no programa. O
computador solucionou o problema em cinco horas, depois de levar em
conta 100 bilhões de jogadas, trabalhando para trás, a partir da
posição de vitória. Descobriu que o rei, a torre e o bispo
poderiam derrotar o rei e os dois cavalos em 223 jogadas. Isto foi
absolutamente fascinante para mim. Certamente é melhor que o jogo
tedioso, mesquinho de apostar em cavalos.
Acho
que trabalhei demais na minha vida como trabalhador comum. Trabalhei
como tal até os 50 anos. Aqueles desgraçados me acostumaram a ir a
algum lugar todos os dias e ficar nesse lugar por muitas horas e
depois voltar. Me sinto culpado de só ficar rolando por aí. Assim,
me encontro no hipódromo, de saco cheio e, ao mesmo tempo,
enlouquecendo. Reservo as noites para o computador ou para beber ou
para ambos. Alguns dos meus leitores acham que adoro cavalos, que a
ação me excita, que sou um apostador tarado, um machão. Recebo
livros pelo correio sobre cavalos, corridas de cavalos, histórias
sobre o hipódromo etc. Não dou a mínima pra isso. Vou ao hipódromo
quase com relutância. Sou idiota demais para imaginar outro lugar
para ir. Onde, onde, durante o dia? Os Jardins Suspensos? Um cinema?
Diabos, me ajudem, não posso ficar sentado com senhoras e a maioria
dos homens da minha idade morreu e, se não morreu, deveria estar
morta, porque com certeza parecem mortos.
Tentei
ficar longe do hipódromo, mas daí fico muito nervoso e deprimido e,
de noite, não sobra gás para o computador. Acho que tirar a minha
bunda daqui me força a olhar para a Humanidade, e quando você olha
a Humanidade você TEM que reagir. É um excesso, um contínuo
espetáculo de horrores. É, fico de saco cheio lá, aterrorizado
aqui fora, mas também sou, até agora, um tipo de estudante. Um
estudante do inferno.
Quem
sabe? Daqui a alguns dias posso estar preso à cama. Vou ficar
deitado, pintando sobre folhas de papel coladas na parede. Vou
pintá-las com um longo pincel e provavelmente até goste disso.
Mas,
nesse momento, são os rostos dos jogadores, rostos de papelão,
rostos horríveis, maus, vazios, avarentos, moribundos, dia após
dia. Rasgando suas pules, lendo seus vários jornais, olhando as
alterações no placar à medida que são moídos, se tornando cada
vez menores, enquanto eu fico lá com eles, como um deles. Somos
doentes, o peixe-piolho da esperança. Nossas roupas pobres, nossos
carros velhos. Nos movemos em direção à miragem, nossas vidas são
desperdiçadas, como as de todo mundo.
Charles
Bukowski, in O capitão saiu para o almoço e os marinheiros
tomaram conta do navio
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