segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

O corte

Era um sábado à noite, e que domingo o seguiu! Os baleeiros são mestres ex-officio em quebrar o descanso desse dia. O ebúrneo Pequod transformou-se no que parecia ser um matadouro; cada marinheiro, um açougueiro. Você chegaria a pensar que estávamos oferecendo dez mil bois em sangue aos deuses do mar.
Em primeiro lugar, as enormes talhas de corte, que entre as outras coisas pesadas consistiam num conjunto de cadernais geralmente pintados de verde, que nenhum homem conseguia levantar sozinho – esse imenso cacho de uvas foi erguido até a gávea e amarrado com firmeza ao topo do mastro-real, o ponto mais firme que existe acima do convés de um navio. A ponta de uma corda semelhante a uma espia que passava por esses meandros foi então conduzida ao molinete, e o enorme cadernal das talhas ficou pendente sobre a baleia; a esse cadernal o imenso gancho de gordura, pesando cerca de cem libras, foi preso. E então, suspensos em plataformas sobre o costado, Starbuck e Stubb, os imediatos, armados de suas pás compridas, começaram a abrir um buraco no corpo para colocar o gancho de cima bem próximo às duas barbatanas laterais. Isso feito, cortaram uma linha semicircular comprida ao redor do buraco, o gancho foi colocado, e a maior parte da tripulação, alardeando um coro selvagem, começa a puxar do molinete em uma só massa compacta. Então, imediatamente, o navio inteiro aderna sobre o costado; todos os seus parafusos se sobressaltam, como a cabeça dos pregos de um antigo casarão sujeito ao frio intenso; o navio treme, se agita, e inclina o topo assustadiço dos mastros no céu. Cada vez mais ele pende por sobre a baleia, enquanto cada puxada ofegante do molinete encontra eco no esforço auxiliar dos vagalhões; até que, por fim, se escuta um brusco e rápido estalo; com um grande estrondo sobre as águas o navio rola para cima e para trás da baleia, e a talha triunfante surge trazendo consigo, desprendida, a extremidade semicircular da primeira tira de gordura. Uma vez que a gordura envolve a baleia como a casca envolve a laranja, quando ela é retirada do corpo, isso é feito em espiral, do mesmo modo que se faz quando se tira a casca da laranja. Pois a força constante exercida pelo molinete mantém a baleia rolando na água, e como a gordura se desprende em uma tira uniforme ao longo da linha chamada “cachecol”, cortada ao mesmo tempo pelas pás de Starbuck e Stubb, os imediatos; e com a mesma rapidez com que é descascada, e por força disso mesmo, ela é erguida mais e mais alto, até que sua ponta superior toca o cesto da gávea; os homens do molinete, então, param de puxar, e, por um ou dois instantes, a prodigiosa massa que se esvai em sangue balança para a frente e para trás, como se estivesse suspensa no céu, e todos presentes devem ter o cuidado de se esquivar dela enquanto balança, caso contrário podem levar uma pancada no ouvido, ou ser atirados para fora do navio.
Um dos arpoadores presentes aproxima-se então com uma arma comprida e afiada, a chamada espada de abordagem, e, esperando o momento certo, abre com agilidade um considerável buraco na parte inferior da massa que balança. Nesse buraco, a extremidade da segunda talha alternante é enganchada de modo a deter a gordura e dar guarida ao que vem em seguida. Depois disso, esse espadachim de bons costumes, pedindo a todos que se afastem, mais uma vez produz um talhe científico na massa, e com mais uns cortes laterais, cheios de urgência, divide-a em duas; de modo tal que, enquanto a pequena parte inferior permanece presa, a comprida tira superior, chamada “manta”, queda solta e pronta para ser arriada. Os carregadores agora param de cantar, e enquanto uma talha descasca e levanta uma segunda tira da baleia, a outra é lentamente afrouxada, e a primeira tira é levada para baixo pela escotilha, para um cômodo sem mobília, chamado câmara de gordura. Nesse cômodo úmido e crepuscular mãos ágeis enrolam a manta como se fosse uma imensa massa viva de cobras entrelaçadas. E assim o trabalho prossegue; as duas talhas levantando e abaixando ao mesmo tempo; a baleia e o molinete sendo puxados, os puxadores cantando, os homens da câmara da gordura enrolando, os imediatos decepando, o navio suportando a carga, e todos os marinheiros blasfemando de quando em quando, para trazer algum alívio à fadiga geral.
Herman Melville, in Moby Dick

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