“João,
há quanto tempo nós estamos casados?”
“Sete
anos, Maria. Não, não, seis. Espera, talvez sete. Seis ou sete.”
“Oito.”
“Oito?”
“Oito.
Estamos casados há oito anos e você não sabe quem eu sou, não me
conhece.”
“Como
não sei quem você é?”
“Você
não sabe nada a meu respeito, as coisas que eu gosto, músicas,
livros, qual o bicho que me dá medo…”
“E
você sabe qual o bicho que me dá medo?”
“Barata.
Você tem medo de barata.”
“Não
é medo, é nojo.”
“E
por isso sai correndo quando vê uma?”
“Aonde
você quer chegar com essa conversa, Maria?”
“Quero
apenas lembrar que você não me conhece, não sabe quem sou após
oito anos de casados. Garanto que você nem reparou que quando vamos
jantar num restaurante ficamos sem trocar uma palavra o tempo todo.
Mas você fala sem parar com o garçom, pedindo, reclamando. Anda,
diz, qual o bicho que me dá medo?”
“Escorpião?”
“Nunca
vi um escorpião na minha vida, como vou ter medo de uma coisa que
não conheço?”
“É
um bicho que morde?”
“João,
não vou dizer. Você não ouve o que eu digo. Qual o meu autor
preferido?”
“Autor
de quê?”
“Livros.”
“E
você sabe qual é o meu autor de livros preferido?”
“João,
você não gosta de ler. Acho que nunca leu um livro na sua vida.”
“Não
se aprende a viver lendo, Maria.”
“Como
se aprende a viver?”
“Vivendo.”
“João,
isso já foi dito e escrito por tanta gente, há tanto tempo, que
virou um lugar-comum. Outra coisa: Qual a comida que eu gosto?”
“Comida?
Comida? Feijoada.”
“Odeio
feijoada. Quem gosta de feijoada é você. A cozinheira só faz o que
você gosta, conforme suas instruções. Você nem percebe que eu
praticamente nada como no almoço e no jantar. Sabe o que eu faço?
Vou à rua e como no botequim um sanduíche e tomo uma xícara de
café com leite.”
“Por
que você não reclamou?”
“Eu
disse mais de mil vezes que não gostava de feijoada, que não
gostava de buchada, tenho nojo desse prato feito com entranhas de
bode.”
“Pode
ser também de carneiro ou ovelha.”
“Disse
milhões de vezes que não gostava de joelho de porco.”
“É
uma iguaria alemã, o nome é Eisbein.”
“Toda
semana tem essa coisa…”
“Um
dia apenas por semana. A cozinheira só faz o Eisbein nas
quintas-feiras. Mas Maria, qual é o objetivo dessa conversa
estranha?”
“Eu
já falei para você anteriormente.”
“Falou
o quê?”
“Que
quero me separar de você?”
“Você
falou isso? Quando?”
“Várias
vezes.”
“Não
me lembro. Maria, eu estou atrasado, tenho um encontro com um
cliente. Mais tarde a gente fala sobre isso.”
“Sobre
o que a gente fala mais tarde?”
“Comida,
essas coisas que você mencionou…”
“E
o divórcio.”
“Sim,
sim, Eisbein, feijoada, divórcio, tudo isso, mais tarde. Agora tenho
que ir.”
João
dá um beijo em Maria e sai.
Maria
senta numa poltrona. Depois de algum tempo, levanta-se, vai até a
geladeira e apanha uma lata de coca-cola.
Enquanto
bebe a coca-cola, Maria dá alguns arrotos e alguns suspiros.
Rubem
Fonseca, in Amálgama
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