“Vovô
triste procura seu cachorro pointer, Toy, desaparecido. Boa
recompensa para quem devolvê-lo ou souber onde ele se encontra. Tel.
287…”
— Alô!
É o Vovô Triste?
— Como?
— Não
é o Vovô Triste quem está falando? Aquele que perdeu um cachorro
de estimação?
— Ah,
sim. Sou eu mesmo. Estou tão triste que nem me lembrei do nome que
pus no jornal. O senhor achou o meu Toy?
— Antes
de mais nada, meu caro senhor, quero cumprimentá-lo com respeito.
Estou falando com um homem de sensibilidade, um homem de coração
grande, que sofre com a perda de uma companhia animal. Eu divido os
homens entre os que amam a convivência dos irracionais, e aqueles
que…
— Obrigado.
Mas o senhor achou o meu Toy?
— Um
momento. Não posso deixar de me inclinar diante das pessoas
sensíveis, realmente identificadas com o mundo natural. Isso é tão
raro hoje em dia. — Não é tanto assim, o senhor exagera. Todo
mundo que tem um cão é porque gosta dele, e gostando, sente falta
quando ele some.
— É
o que o senhor pensa. Muita gente dá graças a Deus quando se vê
livre do animal doméstico, que não quer ficar sozinho em casa e
impede que o dono saia de viagem ou mesmo para jantar fora. Conheço
casos…
— Está
bem. Agora me dê notícias do Toy.
— Pois
não. Ele é pointer, não é?
— Exatamente.
— Inglês
ou alemão?
— Inglês,
com muita honra.
— Por
que o senhor diz “com muita honra”? Se fosse alemão, a honra era
menor, ou nenhuma?
— Absolutamente,
cavalheiro. Prezo tanto a Inglaterra como a Alemanha, mas o meu cão
é inglês, eu gosto do meu cão, então eu digo com muita honra que
ele é inglês. Há algum mal nisso?
— Entendi.
O seu Toy é preto ou branco?
— Branco,
manchado.
— De
preto, de laranja, de que cor?
— De
preto. O senhor achou, o senhor viu em algum lugar o meu Toy? Diga
logo, estou tão ansioso!
— Tenha
calma, Vovô Triste. Estou lhe perguntando porque tem tanto cachorro
por aí, de tantas variedades da mesma raça, que só a gente vendo
um retrato bem nítido do animal é que pode identificá-lo, né?
— Eu
conheço o meu Toy a léguas de distância. Conheço pela ligeireza,
pelo aprumo, pela individualidade, mais do que pela cor ou pelo
tamanho. Conheço de cor e salteado, sou capaz de distingui-lo entre
mil pointers iguaizinhos uns aos outros.
— Mas
eu não, é lógico. Outra coisa. O senhor prometeu uma boa
recompensa.
— Exato.
— De
quanto?
— Bem,
eu acho que dois mil cruzeiros para quem me trouxer o Toy, ou mil
para quem indicar o seu paradeiro, é uma boa recompensa, o senhor
não acha?
— Quer
mesmo que eu diga? Acho pouco.
— Pouco
por quê? Sabe qual o preço máximo de um pointer inglês? Dois mil
e quinhentos.
— Sim,
é o preço de mercado, para cães de pedigree, mas tem uma coisa
mais importante do que pedigree: o amor a um animal de estimação.
Seu amor está cotado em dois mil?
— Ah,
o senhor não deve falar assim, o senhor me tortura. Quisera eu
dispor de cinco mil, de dez mil, de cinquenta mil cruzeiros, para
resgatar o meu querido Toy. Mas sou um simples inativo do Ministério
da Justiça, à espera de classificação no cargo inicial da
carreira, o senhor entende?
— Sendo
assim… não se fala mais nisso. Desculpe. Não quero aumentar sua
aflição. Mas já que entramos nessas intimidades, quero
corresponder à sua confiança e dizer-lhe uma coisa.
— Qual?
— Não
convém o senhor se amofinar por causa do Toy.
— Como?
Quer dizer que ele morreu?!
— Deus
me livre. Eu nunca seria portador de uma notícia dessas.
— E
então?
— Então,
é que numa cidade imensa como esta, com milhares de cães perdidos,
a probabilidade de encontrar o seu bichinho é muito limitada.
Enquanto espera, o senhor sofre, o senhor se angustia, o senhor fica
mais triste ainda. Por que, em vez disso, não parte para outra?
— Deixar
de procurar o Toy? Seria uma infâmia!
— Quem
falou em infâmia? Quero apenas o seu bem, a ordem de suas
coronárias, de sua cuca. O senhor evitará muitas decepções,
conservando a memória do Toy encarnada em outro animalzinho
adorável. Olhe, eu tenho aqui um filhote de miniatura pinscher que é
uma graça, um amor de coisinha leve. Posso lhe dar por dois mil
cruzeiros, exatamente a importância de que o senhor dispõe e que
provavelmente não terá aplicação ao insistir em procurar o Toy…
Assim o senhor, de Vovô Triste, na fossa, passará a Vovô Alegre,
digo mais… a Vovô Feliz…
— Bandido!
Miserável!
Carlos
Drummond de Andrade,
in Boca
de lua
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