O
irmão da noiva foi encarregado de fazer o vídeo do casamento e
apareceu no altar com um negro grande chamado Rosca para segurar as
luzes. O irmão e o Rosca passaram todo o tempo circundando o casal e
o padre, com o irmão sinalizando onde queria as luzes e o Rosca
tirando padrinhos e madrinhas do caminho, subindo em nichos do altar
e se agarrando em santos para se colocar, e a certa altura da
cerimônia batendo no ombro do padre e pedindo “Qué dá licença?”,
porque o padre estava fazendo sombra.
*
* *
Na
fila dos cumprimentos, a Maria Alice, com quem o noivo quase se
casara, se aproximava, com seus seios portentosos. Mais de uma amiga,
depois de beijar a noiva, avisou: “Viu quem está na fila?”, e a
noiva firme, só pensando “Cadela”. Quando Maria Alice e seu
decote chegaram na frente do noivo ele, de olho no decote, perguntou
“Como vão vocês?” e depois não pôde se corrigir porque a
Maria Alice estava abraçando-o e beijando-o e desejando toda a
felicidade do mundo, viu? De coração. E para a noiva: você também,
querida.
*
* *
Na
recepção, depois, a mãe da noiva dançou com o noivo, o pai do
noivo dançou com a noiva, a mãe do noivo dançou com o pai da
noiva, a nova mulher do pai da noiva dançou com o namorado da mãe
do noivo, a terceira mulher do pai do noivo dançou com o Rosca e o
padrasto da noiva, felizmente, estava com um problema na perna.
*
* *
— Você,
quando viu a Maria Alice, não...
— Não!
— Jura?
— Juro.
— Porque
com todo aquele enchimento...
— Enchimento?
Você acha?
— Pelo
amor de Deus! Silicone!
— Sei
não...
Ele
ia dizer que conhecia os seios da Maria Alice pessoalmente, que
botava as mãos no fogo pelo... Mas ela tinha começado a chorar.
— Bitutinha!
O que é isso?
— Não
sei...
— Chorando
por causa dos seios postiços da Maria Alice, Bitutinha?!
— É
insegurança, entende?
*
* *
Quarta
ou quinta noite da lua de mel. Bom como nunca tinha sido antes, nem
no namoro. A janela aberta, um único grilo prendendo a noite lá
longe, como um alfinete de som, e os dois suados e abraçados na cama
do hotel-fazenda. Tão apertado que um parecia querer atravessar o
outro, porque não sabiam o que dizer, não sabiam o que era aquilo,
aquele se gostar tanto. Bom de doer, bom de assustar. E ele pensando:
vai dar certo, vai ser sempre assim, nós vamos ser sempre assim, a
felicidade é esta coisa meio muda e desesperada que a gente não
quer que acabe, ela vai ser minha mulher para sempre e vai ser bom,
eu não precisava ter me preocupado tanto só porque ela pediu para
tocarem Feelings no casamento.
*
* *
— Só
dá a Maria Alice!
No
teipe do casamento, era mesmo a Maria Alice, no seu vestido vermelho,
quem mais aparecia. Mais, até, do que a noiva. O irmão tentou se
explicar:
— O
vermelho atrai a câmera.
E
prometeu um parecer científico que comprovava o fenômeno.
*
* *
— Lembra
do Rosca pedindo para o padre se afastar porque estava atrapalhando a
filmagem?
— Parece
que faz tanto tempo, né?
— Bom.
Brincando, brincando, lá se vão...
Brincando,
brincando, lá se tinham ido dois anos. Depois foram mais cinco,
depois mais três...
— Você
se dá conta que nós estamos casados há doze anos? Doze anos já se
passaram!
E
ele, distraído:
— Essas
coisas, quando começam, não param.
*
* *
— Como
é que você me chamava?
— Eu?
— É.
Você tinha um apelido pra mim. Na cama. Lembra?
— Tem
certeza que era eu?
— Burungunga.
Não, Burungunga não. Tutuzinha? Não...
— Pokémon?
— Não,
nem existia, na época. Era alguma coisa como... Xurububa.
— Duvido.
*
* *
E
um dia ele leu no jornal que a Maria Alice faria uma palestra sobre
Psicologia Motivacional. Tinha fotografia da doutora Maria Alice:
óculos, papada, busto matronal. O tempo, pensou ele. O tempo é
isso, o que transforma os seios da Maria Alice em busto matronal. A
destruição de impérios e civilizações é só efeito colateral, e
não nos diz respeito.
Luís
Fernando Veríssimo, in Amor veríssimo
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