Estava
deitado, lendo. À noite, antes de dormir, era o único momento
disponível para leitura. Lia dez minutos e pegava no sono. Um
ritual. Já tinha tentado ler mais tempo, não conseguia. Dormia de
luz acesa, o livro na mão, acordava alta madrugada, assustado.
A
mulher, ao lado, via televisão. À noite, antes de dormir, era o
único momento que ela tinha para ver televisão. Durante o dia,
trabalhava. Voltava correndo, fazia o jantar, cuidava dos filhos e
ligava a televisão. Os dois não conversavam, diziam boa-noite,
bom-dia, bom livro, bom programa, os meninos estiveram bem etc.
Uma
vida comum, normal. Igual à de todo mundo. Sem grandes mudanças,
tranquila, estável, renda familiar média, apartamento simpático.
Não desses anunciados aos domingos nos suplementos imobiliários,
com grandes fanfarras, mas um apartamento confortável, dois quartos,
sala cozinha e banheiro.
De
modo que, o homem estava lendo. Então, percebeu um leve embaralhar
das letras. “O sono está chegando”, pensou, “mas vou
aguentar”. Tinha feito uma promessa. Resistir um minuto a mais por
dia, até que atingisse uma hora, duas.
Continuou
a ler, as letras embaralharam mais ainda. As linhas pareciam
entortar. Fechou os olhos um segundo. “Se eu descansar, melhoro,
não estou com tanto sono.”
Abriu
os olhos, continuou a leitura. Aí, as linhas entortaram como se
alguém tivesse dado um empurrão violento. E as letras começaram a
despencar, como leve garoa, no colo dele. Em dois segundos a página
ficou em branco.
“Estou
louco, sonhando, o quê?” Virou a página. Tudo escrito, certinho.
Mas no que virou, as letras despencaram. Ele acordou totalmente.
“Esta não! Cada livro vagabundo que andam vendendo. Nem imprimir
direito imprimem mais. É uma tinta sem cola, a letra não gruda na
página.” Como não tinha o mínimo conhecimento de impressão,
imaginava coisas. Na verdade, estava abalado. Olhou para a mulher.
Ela, indiferente, seguia as opiniões dos jurados num programa de
prêmios. Não tinha visto nada.
Foi
virando as páginas, uma a uma. As letras formavam, agora, um
amontoado preto sobre a cama. Folheou o livro, rapidamente, as letras
caíram numa enxurrada. Formando um monte considerável. “Quantas
letras são necessárias para um livro.” Fez, superficialmente, um
cálculo estatístico: se cada linha contivesse 50 letras e cada
página 38 linhas, então um livro de 300 páginas teria cerca de 57
mil letras.
A
mulher virou-se na cama e viu aquele montinho, a poeirinha negra se
espalhando.
– O
que é isso? Essa sujeira? Cinza de cigarro?
– Que
cinza! Que nada! São as letras do meu livro que caíram.
– Ora
essa. Letra caindo de livro?
– Verdade.
– E
agora?
– Vou
apanhá-las, reconstituir o livro.
– Não
vai, não!
Ela
deu um tapa, atirou tudo no chão. Buscou uma vassoura, jogou as
letras sobre uma pá, enfiou num saco plástico, colocou no tubo de
lixo.
Ignácio
de Loyola Brandão, in Cadeiras Proibidas
legal
ResponderExcluiralguem pode me falar do enredo por favor e pra uma atividade
ResponderExcluirQue. Escreveu
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