Eu
vivia estressado, preocupado com tudo, se perdia uma dessas
ordinárias canetas bic, ficava ansioso, aflito, revirava a casa
procurando e, se não a achasse, ficava infeliz. Quando perdi um
livro, que aliás não era grande coisa, uma biografia da Safo ― a
Safo é boa, a biografia é que era mal-escrita ―, eu entrei em
depressão uns três dias.
Aconteceu
quando perdi um par de sandálias havaianas.
Aconteceu
até mesmo quando perdi uma camisa velha e rasgada.
Esse
estado mental acabou causando efeitos colaterais: úlcera no
estômago, dores de cabeça, bursite e, o que é pior ― nem sei
como dizer isso ―, impotência sexual.
“O
que está havendo com você”, perguntou a minha namorada, depois
que não consegui, pela terceira vez, ter uma ereção, apesar dos
esforços da bela jovem ― sim, ela era bonita, tinha um corpo
perfeito.
Consultei
um médico especialista.
“O
que está havendo comigo, doutor? Tenho apenas quarenta anos e já
estou impotente?”
“Meu
caro”, disse o médico, vou lhe dar uma informação confidencial.
Quase todos os meus clientes que sofrem de impotentia coeundi…”
Cortei
a fala do médico.
“O
que é isso?”
“Disfunção
erétil. Mas como eu dizia, a maioria dos meus clientes impotentes
tem cerca de quarenta anos. Há várias teorias para essa…”
Cortei
novamente.
“O
que posso fazer para acabar com isso?”
“Procure
um psicanalista. Nesse meio-tempo, tome uma dessas pílulas”, disse
ele escrevendo uma receita.
Comprei
o remédio que ele receitou e telefonei para Helena ― é esse o
nome da minha namorada ―, combinando um encontro em minha casa
naquela noite.
Tomei
a pílula e passei a tarde inteira andando de um lado para o outro.
Vez por outra apalpava o meu pênis, mas ele estava murcho, parecia
até ter diminuído de tamanho. Já disse que sou um sujeito
preocupado, que vive apreensivo, temeroso de que suceda algo
negativo, e com razão, até hoje não achei a minha caneta bic.
Helena
chegou linda, me abraçou, me beijou, disse carinhosamente que estava
morrendo de saudades minhas.
Fomos
para a cama. Ah, meu Deus, não posso me lembrar sem uma horrenda
pungência o que aconteceu: não consegui que o meu pênis ficasse
ereto, apesar dos esforços da Helena.
Ela
saiu da cama e se vestiu em silêncio. Eu também fiquei calado,
inerte, sob o lençol, com vontade de cobrir a cabeça ou pular pela
janela. Não sei o que se passava pela cabeça dela, o seu rosto
estava triste, talvez pensasse que a culpa era dela, isso acontece
muito, o homem brocha e a mulher se acha responsável; ou então
sentia pena de mim, quarenta anos, um belo apartamento e impotente.
Fui
ao psicanalista lacaniano indicado pelo médico que me receitara
aquelas pílulas inúteis.
Era
um homem careca, de óculos, orelhas grandes, talvez não fossem tão
grandes assim, a calvície dava-me essa impressão, dedos curtos e
uma laringe proeminente.
Ouviu
calado, com ar pensativo, a minha história.
“As
pressões sociais… ambientais… perspectivas…”
Sua
fala era toda entrecortada.
“Continue…”,
ele acrescentou.
“Já
contei tudo”, eu disse.
“Família…
pai… mãe…”
“Não
tenho família.”
“Explique
isso…”
“Meus
pais morreram quando eu era criança e fui criado por uma tia…”
“Ah”,
ele disse, como se tivesse descoberto a pólvora. E acrescentou: “A
sessão está encerrada, mas nossa próxima pode demorar bem mais.”
Perguntei
se podia pagar com cheque ou cartão de crédito.
“Como
lhe disse ao marcarmos a consulta, eu só aceito como pagamento
dinheiro em espécie.”
Paguei
e não voltei mais lá.
Fui
para casa pensando, quem podia me curar era eu mesmo. Descobri que eu
gostava de ficar preocupado, acho que é o que acontece com todos os
estressados. Mas eu precisava me livrar disso.
Peguei
uma caneta-tinteiro de boa marca e deixei no balcão do banco.
Cheguei em casa e disse para mim mesmo: E agora, vai sofrer?
Mas
não sofri.
Durante
um mês perdi coisas propositadamente e não sofri. Até que um dia
perdi, sem querer, um relógio de pulso. Então, o sofrimento começou
a comer por dentro, mas disse, na verdade, gritei, “Foda-se o
relógio de pulso!”.
Fui
para a janela e gritei novamente, “Foda-se o relógio de pulso!”.
Senti
uma tranquilidade, uma harmonia interior que me deixou feliz. Eu
descobrira uma palavra mágica.
Então,
fui a um joalheiro e pedi que fizesse em ouro uma pequena placa com a
palavra “Foda-se”. A plaqueta num cordão de ouro foi colocada no
meu pescoço. Não a tiro nem para tomar banho. Nem para fazer amor
com a minha adorada Helena.
“Querido,
você está uma fera, estou toda esfolada.”
Mulher
gosta de ficar sentindo não só na alma, mas também no corpo, as
marcas e cicatrizes do amor.
Ontem
eu perdi o meu carro. Ele não estava no seguro. Fui no boteco, pedi
um chope, ergui o copo, disse “foda-se” e tomei um gole. O chope
estava uma delícia.
Sei
que tem gente que não vai acreditar nesta história que estou
contando.
Foda-se.
Rubem
Fonseca, in Amálgama
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