quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

A palavra mamãe

No rancho de Mãe Elena, a produção de chouriços era um verdadeiro ritual. Na véspera, começavam a descascar alho, limpar pimentas e moer especiarias. Todas as mulheres deviam participar: Mãe Elena; as filhas Gertrudis, Rosaura e Tita; a cozinheira, Nacha; e a empregada, Chencha. Elas reuniam-se ao redor da mesa da sala de jantar e, entre conversas e brincadeiras, o tempo voava até o anoitecer. Então, Mãe Elena dizia:
Por hoje, chega.
Dizem que, para bom entendedor, meia palavra basta; então, quando se ouvia aquilo, todas entravam em ação. Primeiro, deviam limpar a mesa; depois, dividir as tarefas: uma recolhia as galinhas, outra tirava água do poço para o café da manhã, uma terceira era responsável pela troca da lenha no fogão. Naqueles dias, não passavam a ferro nem bordavam ou costuravam. Quando tudo estava encerrado, elas liam em seus quartos, rezavam e dormiam. Em uma tarde, antes de Mãe Elena lhes dizer que podiam deixar a mesa, Tita, então com 15 anos, anunciou, com uma voz trêmula, que Pedro Muzquiz gostaria de falar com ela...
Após um silêncio interminável, no qual a alma de Tita se encolheu, Mãe Elena perguntou:
E por que esse cavalheiro quer falar comigo?
A resposta de Tita mal pôde ser escutada.
Não sei – respondeu ela.
Mãe Elena lançou-lhe um olhar que pareceu a Tita conter todos os anos de repressão que pairavam sobre a família. Então, disse:
Se ele pretende pedir sua mão, diga que não faça isso. Estará perdendo o tempo dele e o meu. Você sabe perfeitamente que, como a filha mais nova, deverá cuidar de mim até o dia da minha morte.
Com isso, Mãe Elena levantou-se vagarosamente, colocou os óculos no avental e falou em um tom de última ordem:
Por hoje, é só.
Tita sabia que discutir não era uma das formas de comunicação permitidas na casa de Mãe Elena, mas, ainda assim, pela primeira vez na vida, pretendia protestar contra as regras maternas.
Mas, em minha opinião...
Você não tem opinião e não há discussão. Ao longo de gerações, ninguém da minha família questionou essa tradição e nenhuma das minhas filhas será a primeira.
Tita abaixou a cabeça. A compreensão do seu destino se impôs violentamente enquanto lágrimas caíam sobre a mesa. Desde aquele momento, tanto ela como a mesa sabiam que Tita jamais poderia expressar a menor opinião diante das forças desconhecidas que a destinaram a submeter-se à decisão absurda da mãe e que a mesa continuaria a ser molhada com as lágrimas amargas de Tita, como aquelas que ela derramara no dia em que nasceu.
Entretanto, Tita não se conformou. Dúvidas e ansiedades brotavam em sua mente. Em primeiro lugar, ela queria saber quem havia começado essa tradição familiar. Seria bom se pudesse levar ao conhecimento dessa criatura genial uma pequena falha nesse perfeito plano de cuidados com a velhice das mulheres. Se Tita não podia casar e ter filhos, quem tomaria conta dela quando ficasse velha? Havia uma solução em um caso como aquele? Ou não se espera que uma filha que fica em casa e cuida da mãe sobreviva muito tempo após a morte dos pais? E uma mulher que casa e não pode ter filhos? Quem tomará conta dela? E, além disso, Tita gostaria de saber que tipo de pesquisa havia estabelecido que a filha mais nova, e não a mais velha, é mais apta a cuidar da mãe. A opinião da filha afetada por esse plano havia sido levada em consideração alguma vez? Se não poderia casar, poderia ao menos experimentar o amor? Ou nem isso?
Tita sabia perfeitamente que todas essas questões deveriam ser enterradas para sempre no arquivo das perguntas sem respostas. Na família De la Garza obedecia-se e pronto. Furiosa, Mãe Elena saiu da cozinha, ignorando Tita completamente, e, durante a semana seguinte, não lhe dirigiu a palavra.
O que pareceu uma comunicação entre ambas aconteceu quando Mãe Elena, ao inspecionar as roupas que as mulheres costuravam, descobriu que a peça de Tita, a mais impecável, não tinha sido alinhavada.
Parabéns – disse ela. – Seus pontos estão perfeitos, mas você não fez os alinhavos, fez?
Não – respondeu Tita, surpresa com o rompimento do voto de silêncio.
Então, arranque tudo. Alinhave, costure de novo e me mostre. E lembre-se de que o preguiçoso e o mesquinho acabam por percorrer o mesmo caminho duas vezes.
Mas isso acontece quando alguém comete um erro, e você disse, um momento antes, que a minha costura estava...
Está começando com sua rebeldia mais uma vez? É suficiente você ter a audácia de quebrar as regras na sua costura.
Desculpe, mãe. Nunca mais farei isso.
Com isso, Tita conseguiu domar a fúria de Mãe Elena. Dessa vez, ela tinha sido muito cuidadosa; chamou-a de mãe no tom de voz apropriado. Mãe Elena achava que a palavra mamãe tinha um tom desrespeitoso e, então, desde pequenas, ordenou às filhas que usassem o nome mãe quando se dirigissem a ela. A única que resistia, a única que pronunciava a palavra com um tom inadequado, era Tita, que tomou várias bofetadas por isso. Mas como falara corretamente dessa vez! Mãe Elena consolou-se com a esperança de que finalmente tivesse conseguido subjugar a filha caçula.
Laura Esquivel, in Como água para chocolate

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