No
rancho de Mãe Elena, a produção de chouriços era um verdadeiro
ritual. Na véspera, começavam a descascar alho, limpar pimentas e
moer especiarias. Todas as mulheres deviam participar: Mãe Elena; as
filhas Gertrudis, Rosaura e Tita; a cozinheira, Nacha; e a empregada,
Chencha. Elas reuniam-se ao redor da mesa da sala de jantar e, entre
conversas e brincadeiras, o tempo voava até o anoitecer. Então, Mãe
Elena dizia:
– Por
hoje, chega.
Dizem
que, para bom entendedor, meia palavra basta; então, quando se ouvia
aquilo, todas entravam em ação. Primeiro, deviam limpar a mesa;
depois, dividir as tarefas: uma recolhia as galinhas, outra tirava
água do poço para o café da manhã, uma terceira era responsável
pela troca da lenha no fogão. Naqueles dias, não passavam a ferro
nem bordavam ou costuravam. Quando tudo estava encerrado, elas liam
em seus quartos, rezavam e dormiam. Em uma tarde, antes de Mãe Elena
lhes dizer que podiam deixar a mesa, Tita, então com 15 anos,
anunciou, com uma voz trêmula, que Pedro Muzquiz gostaria de falar
com ela...
Após
um silêncio interminável, no qual a alma de Tita se encolheu, Mãe
Elena perguntou:
– E
por que esse cavalheiro quer falar comigo?
A
resposta de Tita mal pôde ser escutada.
– Não
sei – respondeu ela.
Mãe
Elena lançou-lhe um olhar que pareceu a Tita conter todos os anos de
repressão que pairavam sobre a família. Então, disse:
– Se
ele pretende pedir sua mão, diga que não faça isso. Estará
perdendo o tempo dele e o meu. Você sabe perfeitamente que, como a
filha mais nova, deverá cuidar de mim até o dia da minha morte.
Com
isso, Mãe Elena levantou-se vagarosamente, colocou os óculos no
avental e falou em um tom de última ordem:
– Por
hoje, é só.
Tita
sabia que discutir não era uma das formas de comunicação
permitidas na casa de Mãe Elena, mas, ainda assim, pela primeira vez
na vida, pretendia protestar contra as regras maternas.
– Mas,
em minha opinião...
– Você
não tem opinião e não há discussão. Ao longo de gerações,
ninguém da minha família questionou essa tradição e nenhuma das
minhas filhas será a primeira.
Tita
abaixou a cabeça. A compreensão do seu destino se impôs
violentamente enquanto lágrimas caíam sobre a mesa. Desde aquele
momento, tanto ela como a mesa sabiam que Tita jamais poderia
expressar a menor opinião diante das forças desconhecidas que a
destinaram a submeter-se à decisão absurda da mãe e que a mesa
continuaria a ser molhada com as lágrimas amargas de Tita, como
aquelas que ela derramara no dia em que nasceu.
Entretanto,
Tita não se conformou. Dúvidas e ansiedades brotavam em sua mente.
Em primeiro lugar, ela queria saber quem havia começado essa
tradição familiar. Seria bom se pudesse levar ao conhecimento dessa
criatura genial uma pequena falha nesse perfeito plano de cuidados
com a velhice das mulheres. Se Tita não podia casar e ter filhos,
quem tomaria conta dela quando ficasse velha? Havia uma solução em
um caso como aquele? Ou não se espera que uma filha que fica em casa
e cuida da mãe sobreviva muito tempo após a morte dos pais? E uma
mulher que casa e não pode ter filhos? Quem tomará conta dela? E,
além disso, Tita gostaria de saber que tipo de pesquisa havia
estabelecido que a filha mais nova, e não a mais velha, é mais apta
a cuidar da mãe. A opinião da filha afetada por esse plano havia
sido levada em consideração alguma vez? Se não poderia casar,
poderia ao menos experimentar o amor? Ou nem isso?
Tita
sabia perfeitamente que todas essas questões deveriam ser enterradas
para sempre no arquivo das perguntas sem respostas. Na família De la
Garza obedecia-se e pronto. Furiosa, Mãe Elena saiu da cozinha,
ignorando Tita completamente, e, durante a semana seguinte, não lhe
dirigiu a palavra.
O
que pareceu uma comunicação entre ambas aconteceu quando Mãe
Elena, ao inspecionar as roupas que as mulheres costuravam, descobriu
que a peça de Tita, a mais impecável, não tinha sido alinhavada.
– Parabéns
– disse ela. – Seus pontos estão perfeitos, mas você não fez
os alinhavos, fez?
– Não
– respondeu Tita, surpresa com o rompimento do voto de silêncio.
– Então,
arranque tudo. Alinhave, costure de novo e me mostre. E lembre-se de
que o preguiçoso e o mesquinho acabam por percorrer o mesmo caminho
duas vezes.
– Mas
isso acontece quando alguém comete um erro, e você disse, um
momento antes, que a minha costura estava...
– Está
começando com sua rebeldia mais uma vez? É suficiente você ter a
audácia de quebrar as regras na sua costura.
– Desculpe,
mãe. Nunca mais farei isso.
Com
isso, Tita conseguiu domar a fúria de Mãe Elena. Dessa vez, ela
tinha sido muito cuidadosa; chamou-a de mãe
no tom de voz apropriado. Mãe Elena achava que a palavra mamãe
tinha um tom desrespeitoso e, então, desde pequenas, ordenou às
filhas que usassem o nome mãe
quando se dirigissem a ela. A única que resistia, a única que
pronunciava a palavra com um tom inadequado, era Tita, que tomou
várias bofetadas por isso. Mas como falara corretamente dessa vez!
Mãe Elena consolou-se com a esperança de que finalmente tivesse
conseguido subjugar a filha caçula.
Laura
Esquivel, in
Como água para
chocolate
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