À
Marcos Anibal de Morais
José
Joaquim de Sales e
Clementino
Fraga Neto
The
world was all before them, where to chose.
Their
place of rest, and Providence their guide.
They,
hand in hand, with wand' ring steps and slow.
Through
Eden took their solitary way.
Assim
John Milton, o maior poeta inglês do seu século, ditou das trevas
de sua cegueira os últimos versos desse incomparável monumento de
poesia que é "Paraíso perdido", e de cuja transcendental
beleza não há tradução possível, por isso que constituem, em sua
tristeza intrínseca, uma prodigiosa síntese de toda a Criação: o
primeiro casal, que é o eterno par, partindo para o mundo cheio de
amor e perplexidade, as mãos unidas e os passos incertos a
afastá-los cada vez mais do Paraíso conspurcado pela fatalidade do
sexo, de onde se criam a vida e a morte.
Impossível
nada mais belo. Um dia dois olhos se encontram e deles, subitamente,
irrompe uma chama imponderável. Nas veias o sangue começa a
circular mais forte, e o coração parece pulsar na garganta. A voz
fica trêmula, os joelhos se afrouxam, a pessoa não sabe o que fazer
das próprias mãos. Ele se fosse um beija-flor, entraria a bater
asas freneticamente, num vertiginoso ballet diante da pequenina fêmea
expectante, para maravilhá-la com a vivacidade do seu colorido. Ela
deixa-se num divino recato, mas já consciente, em sua perturbação,
que vai ser dele.
É
o amor que nasce como uma fonte subterrânea a romper, em seu
movimento para a luz, a última resistência de terra, e se põe a
jorrar ao sol, em toda inocência e claridade. Que milagre determinou
o seu surgimento naquele justo instante? Por que a outra pessoa, até
então desconhecida, ou apenas conhecida, passa a ter toda a
importância do mundo, a tal ponto que por ela se seria capaz de
morrer ou de matar? Por que passa o corpo a ser como um cofre
inviolável, só vulnerável ao toque das mãos amadas, e a ideia de
infidelidade a última das baixezas?
A
posse total do ser amado torna-se como uma obsessão: possuí-lo em
sua carne e seu espírito; unir-se a ele numa transubstanciação tão
perfeita que um passe a ser o outro em pensamentos, palavras e obras:
tal é o comando do amor. E uma vez possuído, aninhá-lo num
cantinho, a coberto da ferocidade da vida e da natureza, e da maldade
dos homens - e postar-se de fora vigilante como um arcanjo, o gládio
em punho, para que nenhuma ofensa lhe seja imposta, nenhum dano lhe
sobrevenha.
Um
ninho... Que beleza! A place of rest, como diz o poeta, de
onde se possa sair para lutar pela sua subsistência, e para o qual
se possa voltar com um livro, um doce, uma rosa para cativá-lo... E
a grande viagem se inicia para vida, e ai de nós, para a morte. A
fonte nascida procura o seu curso entre as pedras, em busca de um
leito mais ameno, um talvegue mais brando, sem a memória anterior
das estreitas gargantas e corredeiras perigosas que surpreendem o
jovem rio e o impelem quem sabe para a vertigem das altas quedas,
quem sabe para os vales pacíficos onde nada acontece, quem sabe para
que feliz ou trágico destino... Mão na mão, com vagarosos
passos erradios, através do Éden eles iniciam seu caminho
solitário. Ei-lo que parte, o eterno casal amoroso, unido numa
imagem ainda sem sombra, e de tal modo imerso em sua solidão que é
como se só ele existisse no mundo.
São
dois pobres. Não importa em que berço tenham nascido, se de ouro ou
se de palha, são dois pobres, porque o tudo ou o nada que um tenha
quer dar ao outro. A necessidade é encontrar um abrigo, não importa
quão pequenino, onde haja uma mesa, duas cadeiras e uma cama,
rústicas que sejam, pois o mais divertido, justamente, é pintar:
comprar um pincel e uma lata de tinta e sair pintando tudo de branco
e azul, que são as cores do amor; e ficar bem sujo de cal, e
interromper a cada instante o trabalho com beijos intermináveis, e
ir tomar banho e amar-se muito, e depois ter fome, e ela atarefar-se
com frigideiras e panelas, enquanto ele põe um disco na vitrola e
passa os olhos nas manchetes, pouco se danando para guerras e
cosmonautas, e com toda razão, de vez que está inaugurando o mundo.
E alta madrugada, os corpos exaustos de amor, começar o dueto das
almas, uma buscando possuir a outra, em infindável justa singular
que só se dará tréguas no final dos tempos.
O
eterno par... Onde quer que estejam, estão sós, protegidos pela
redoma do seu amor. Juntam-se os jovens rostos sorridentes para se
sussurrar doces absurdos, para cantar cantigas lembradas, ou se põem
sérios para fazer contas de chegar, no dever e haver conjugal, em
permanente imantação. Ela sai a compras, encontra as amiguinhas de
colégio que olham com maliciosa inveja sua felicidade transparente,
o brilho de seus cabelos e seus olhos, a frescura de sua pele de
mulher - porque agora ela é mulher - bem amada e possuída. Tudo
amor.
Sim,
meus jovens amigos, tudo ao amor!
Vinicius
de Moraes, in Prosa
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