Por
volta de 1517, os colonizadores espanhóis nas ilhas do Caribe
começaram a ouvir rumores vagos sobre um império poderoso em algum
lugar no centro do território mexicano. Meros quatro anos depois, a
capital asteca estava praticamente em ruínas, o Império Asteca era
coisa do passado, e Hernán Cortés dominava um novo e vasto império
espanhol no México.
Os
espanhóis não pararam para comemorar nem para tomar fôlego. Eles
imediatamente deram início a operações de exploração e conquista
em todas as direções. Os governantes anteriores da América Central
– os astecas, os toltecas, os maias – mal sabiam que a América
do Sul existia e jamais haviam feito qualquer tentativa de
subjugá-la, ao longo de 2 mil anos. No entanto, em pouco mais de dez
anos, Francisco Pizarro descobriu o Império Inca na América do Sul,
e o subjugou em 1532.
Se
os astecas e os incas tivessem mostrado um pouco mais de interesse
pelo mundo à sua volta – e se soubessem o que os espanhóis haviam
feito com seus vizinhos –, poderiam ter resistido melhor à
conquista espanhola. Nos anos que separam a primeira viagem de
Colombo à América (1492) da chegada de Cortés no México (1519),
os espanhóis conquistaram a maior parte das ilhas do Caribe,
fundando um conjunto de novas colônias. Para os nativos subjugados,
essas colônias eram o inferno na Terra. Eles eram governados com mão
de ferro por colonizadores gananciosos e inescrupulosos que os
escravizavam e os colocavam para trabalhar em minas e lavouras,
matando qualquer um que oferecesse a menor resistência. A maior
parte da população nativa morreu logo, por causa das árduas
condições de trabalho ou da virulência das doenças que pegaram
carona para a América nos navios dos conquistadores. Em 20 anos,
quase toda a população nativa do Caribe foi exterminada. Os
colonizadores espanhóis começaram a importar escravos africanos
para preencher o vácuo.
Esse
genocídio aconteceu bem diante do Império Asteca, mas, quando
Cortés chegou à costa oriental do império, os astecas não sabiam
nada a respeito. A chegada dos espanhóis foi o equivalente a uma
invasão alienígena vinda do espaço sideral. Os astecas estavam
convencidos de que conheciam o mundo inteiro e de que governavam a
maior parte dele. Para eles, era inimaginável que fora de seu
domínio pudesse existir alguma coisa como os espanhóis. Quando
Cortés e seus homens aportaram nas praias ensolaradas da atual Vera
Cruz, foi a primeira vez que os astecas encontraram pessoas
completamente desconhecidas.
Os
astecas não souberam como reagir. Tiveram dificuldade em decidir o
que eram aqueles estranhos. Ao contrário de todos os humanos
conhecidos, os alienígenas tinham pele branca. Também tinham muitos
pelos no rosto. Alguns tinham cabelo da cor do sol. Tinham um odor
terrível. (A higiene dos nativos era muito melhor que a higiene dos
espanhóis. Quando os espanhóis chegaram pela primeira vez no
México, nativos portando queimadores de incenso foram incumbidos de
acompanhá-los onde quer que eles fossem. Os espanhóis pensaram que
fosse um sinal de honra divina. Sabemos, com base em fontes dos
nativos, que eles consideravam o cheiro dos recém-chegados
insuportável.)
A
cultura material dos forasteiros era ainda mais impressionante. Eles
chegaram em embarcações gigantescas, de um tipo jamais imaginado,
muito menos visto pelos astecas. Cavalgavam no dorso de animais
enormes e assustadores, rápidos como o vento. Eram capazes de
produzir relâmpago e trovão com espetos brilhantes de metal. Tinham
espadas compridas e reluzentes e armaduras impenetráveis, contra as
quais as espadas de madeira e as lanças de sílex dos nativos eram
inúteis.
Alguns
astecas pensaram que decerto se tratava de deuses. Outros afirmavam
que eram demônios, ou o fantasma dos mortos, ou feiticeiros
poderosos. Em vez de concentrar todas as forças disponíveis e
exterminar os espanhóis, os astecas deliberaram, perderam tempo e
negociaram. Não viram motivo para se apressar. Afinal, Cortés tinha
não mais de 550 espanhóis consigo. O que 550 homens poderiam fazer
a um império de milhões?
Cortés
era igualmente ignorante acerca dos astecas, mas ele e seus homens
tinham vantagens significativas sobre os adversários. Enquanto os
astecas não tinham experiência alguma em se preparar para a chegada
desses forasteiros de aparência estranha e odor repugnante, os
espanhóis sabiam que o planeta estava cheio de reinos humanos
desconhecidos, e ninguém era mais perito que eles em invadir terras
estrangeiras e lidar com situações sobre as quais eram totalmente
ignorantes. Para o conquistador europeu moderno, assim como para o
cientista europeu moderno, mergulhar no desconhecido era estimulante.
Então,
quando ancorou naquela praia ensolarada em julho de 1519, Cortés não
hesitou em agir. Como um alienígena de ficção científica saindo
de sua espaçonave, ele declarou aos locais boquiabertos: “Nós
viemos em paz. Levem-nos ao seu líder”. Cortés explicou que era
um emissário pacífico do grande rei da Espanha e pediu uma
entrevista diplomática com o governante asteca, Montezuma II. (Isso
era uma mentira deslavada. Cortés liderou uma expedição
independente de aventureiros gananciosos. O rei da Espanha nunca
tinha ouvido falar de Cortés nem dos astecas.) Cortés recebeu
guias, alimentos e algum auxílio militar de inimigos locais dos
astecas. Então, marchou rumo à capital asteca, a grande metrópole
de Tenochtitlán.
Os
astecas permitiram que os forasteiros marchassem até a capital e
então, respeitosamente, conduziram seu líder ao encontro do
imperador Montezuma. No meio da entrevista, Cortés deu um sinal, e
espanhóis com armaduras de aço assassinaram os guarda-costas de
Montezuma (equipados apenas com porretes de madeira e lâminas de
pedra). O convidado de honra fez de seu anfitrião um prisioneiro.
Cortés
estava agora em uma situação muito delicada. Ele havia capturado o
imperador, mas estava cercado por dezenas de milhares de guerreiros
inimigos furiosos, milhões de civis hostis e todo um continente
sobre o qual ele não sabia praticamente nada. Tinha à sua
disposição apenas algumas centenas de homens, e os reforços
espanhóis mais próximos estavam em Cuba, a mais de 1,5 mil
quilômetros de distância.
Cortés
manteve Montezuma cativo no palácio, fazendo parecer que o rei
continuava livre e no comando e que o “embaixador espanhol” era
não mais do que um convidado. O Império Asteca era um regime
político extremamente centralizado, e essa situação sem
precedentes o paralisou. Montezuma continuou a se comportar como se
governasse o império, e a elite asteca continuou a obedecê-lo, o
que significava que obedecia a Cortés. Tal situação se prolongou
por meses, durante os quais Cortés interrogou Montezuma e seus
criados, capacitou tradutores em vários idiomas locais e enviou
pequenas expedições de espanhóis em todas as direções para se
familiarizar com o Império Asteca e as várias tribos, povos e
cidades por ele governados.
A
elite asteca acabou por se voltar contra Cortés e Montezuma, elegeu
um novo imperador e expulsou os espanhóis de Tenochtitlán. No
entanto, a essa altura várias rachaduras haviam aparecido no
edifício imperial. Cortés usou o conhecimento que havia adquirido
para forçar ainda mais as rachaduras e destruir o império de dentro
para fora. Convenceu muitos dos súditos do império a se unirem a
ele contra a elite asteca. Os súditos calcularam mal. Eles odiavam
os astecas, mas não sabiam nada sobre a Espanha nem sobre o
genocídio no Caribe. Presumiram que, com a ajuda espanhola, poderiam
abalar a influência asteca. A ideia de que os espanhóis assumiriam
o poder jamais lhes ocorrera. Eles tinham certeza de que, se Cortés
e suas poucas centenas de escudeiros causassem algum problema,
poderiam ser subjugados facilmente. Os povos rebeldes forneceram a
Cortés um exército de dezenas de milhares de tropas locais, e com
essa ajuda Cortés cercou Tenochtitlán e conquistou a cidade.
Nessa
época, cada vez mais soldados e colonizadores espanhóis começaram
a chegar ao México, alguns vindos de Cuba, outros da Espanha. Quando
os povos locais perceberam o que estava acontecendo, era tarde
demais. Um século após a chegada dos espanhóis em Vera Cruz, a
população nativa das Américas havia encolhido 90% devido sobretudo
a doenças desconhecidas que chegaram à América com os invasores.
Os sobreviventes se encontravam sob o domínio de um regime racista e
ganancioso que era muito pior que o dos astecas.
Dez
anos depois que Cortés aportou no México, Pizarro chegou à costa
do Império Inca. Ele tinha muito menos soldados do que Cortés –
sua expedição totalizava apenas 168 homens! Mas Pizarro se
beneficiou de todo o conhecimento e de toda a experiência obtidos
nas invasões anteriores. Os incas, por sua vez, não sabiam nada
sobre o destino dos astecas. Pizarro plagiou Cortés. Ele se declarou
um emissário pacífico do rei da Espanha, convidou o governante
inca, Atahualpa, para uma entrevista diplomática e então o
sequestrou. Pizarro seguiu em frente, conquistando o império
paralisado com a ajuda dos aliados locais. Se os súditos do Império
Inca conhecessem o destino dos habitantes do México, não teriam se
unido aos invasores. Mas eles não sabiam.
Os
povos nativos da América não foram os únicos a pagar um preço
alto por sua visão tacanha. Os grandes impérios da Ásia – o
otomano, o safávida, o mogol e o chinês – logo ficaram sabendo
que os europeus haviam descoberto algo grande, mas mostraram pouco
interesse por essas descobertas. Continuaram a acreditar que o mundo
girava em torno da Ásia e não fizeram qualquer tentativa de
competir com os europeus pelo controle da América ou das novas rotas
marítimas no Atlântico e no Pacífico. Até mesmo reinos europeus
pequenos como a Escócia e a Dinamarca enviaram algumas expedições
de exploração e conquista para a América, mas nem uma de tais
expedições jamais partiu do mundo islâmico, da Índia ou da China.
A primeira potência não europeia que tentou enviar uma expedição
militar à América foi o Japão. Isso aconteceu em junho de 1942,
quando uma expedição japonesa conquistou Kiska e Attu, duas
pequenas ilhas na costa do Alasca, capturando, no processo, dez
soldados norte-americanos e um cachorro. Isso foi o mais perto que os
japoneses chegaram do continente.
É
difícil argumentar que os otomanos ou os chineses estavam longe
demais, ou que careciam dos meios tecnológicos, econômicos ou
militares necessários. Os recursos que enviaram Zheng He da China à
África Oriental nos anos 1420 deviam ser suficientes para chegar à
América. Os chineses simplesmente não estavam interessados. O
primeiro mapa-múndi chinês a mostrar a América só foi publicado
em 1602 – e por um missionário europeu!
Durante
300 anos, os europeus desfrutaram de supremacia indisputada na
América e na Oceania, no Atlântico e no Pacífico. As únicas
batalhas significativas nessas regiões foram entre potências
europeias. A riqueza e os recursos acumulados pelos europeus nessas
áreas acabaram por lhes permitir invadir também a Ásia, derrotar
os impérios asiáticos e dividi-la entre si. Quando otomanos,
persas, indianos e chineses despertaram e começaram a prestar
atenção, era tarde demais.
Foi
só no século XX que culturas não europeias adotaram uma visão
verdadeiramente global. Esse foi um dos fatores cruciais que levaram
ao colapso da hegemonia europeia. Assim, na Guerra de Independência
da Argélia (1954-1962), as guerrilhas argelinas derrotaram um
exército francês que gozava de uma esmagadora vantagem numérica,
tecnológica e econômica. Os argelinos prevaleceram porque foram
apoiados por uma rede mundial anti-imperialismo e porque souberam
mobilizar os meios de comunicação de todo o mundo a favor de sua
causa, bem como a opinião pública na própria França. A derrota
que o pequeno Vietnã do Norte infligiu ao colosso norte-americano se
baseou em uma estratégia similar. Essas forças guerrilheiras
mostraram que até mesmo as superpotências podiam ser derrotadas se
uma batalha local fosse transformada em uma causa global. É
interessante pensar no que teria acontecido se Montezuma tivesse sido
capaz de manipular a opinião pública espanhola e obter auxílio de
um dos rivais da Espanha – Portugal, a França ou o Império
Otomano.
Yuval
Noah Harari, in Homo sapiens: uma breve história da
humanidade
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