A minha intenção é escrever um artigo
para exaltar as pessoas simpáticas. Mas o leitor pode querer saber
primeiro quem são as pessoas que considero simpáticas. Talvez seja
um tanto difícil chegar à sua qualidade essencial, de modo que
começarei enumerando certos tipos que se encaixam nessa denominação.
Tias solteironas são invariavelmente simpáticas, sobretudo, é
claro, quando são ricas; os ministros religiosos são simpáticos, à
exceção daqueles casos raros em que escapam para a África do Sul
com uma integrante do coro, depois de fingirem ter cometido suicídio.
As moças, sinto dizer, raramente são simpáticas, hoje em dia.
Quando eu era jovem, a maior parte delas era bem simpática; quer
dizer, compartilhavam das opiniões das mães, não apenas a respeito
de assuntos de toda ordem, mas, o que é mais notável, a respeito de
indivíduos, até mesmo de rapazes. Elas diziam: “Sim, mamãe” e
“Não, mamãe” nos momentos apropriados; amavam o pai, porque era
sua obrigação, e a mãe, porque as protegia da menor insinuação
de mau comportamento. Quando noivavam para casar, apaixonavam-se com
moderação decorosa; depois de casadas, reconheciam como obrigação
amar o marido, mas davam a entender às outras mulheres que era uma
obrigação desempenhada à custa de muita dificuldade.
Comportavam-se com simpatia em relação aos sogros, conquanto
deixassem claro que qualquer pessoa menos empenhada não o faria; não
maldiziam outras mulheres, mas apertavam os lábios de maneira tal,
que deixavam claro o que poderiam ter dito, não fosse a sua caridade
angelical. Este é o tipo que se chama de mulher pura e nobre. Tipo
que, no entanto – ai de mim! –, mal existe nos dias de hoje,
exceto entre as senhoras de idade.
Por misericórdia, as que restaram ainda
detêm grande poder: elas controlam a educação, onde se dedicam,
não sem sucesso, a preservar um padrão vitoriano de hipocrisia;
controlam a legislação relativa ao que chamam de “questões
morais” e, assim, criaram e propiciaram a grande profissão do
contrabando; asseguram que os rapazes que escrevem para os jornais
exprimam as opiniões das idosas e simpáticas senhoras, e não as
suas próprias, assim ampliando o alcance do estilo e a variedade da
imaginação psicológica dos jovens. Elas mantêm vivos inumeráveis
prazeres que, de outra maneira, logo acabariam por sua abundância:
por exemplo, o prazer de ouvir palavras grosseiras no palco, ou de
ver ali uma quantidade de pele desnuda ligeiramente maior do que o
normal. Acima de tudo, mantêm vivos os prazeres da caça. Entre uma
população campestre homogênea, como a de um condado inglês, as
pessoas estão condenadas a caçar raposas, algo caro e às vezes até
perigoso. Além do mais, a raposa não é capaz de explicar com muita
clareza o quanto não aprecia ser caçada. Sob todos esses aspectos,
a caça aos seres humanos é um esporte melhor, mas, não fosse pelas
pessoas simpáticas, seria difícil caçá-las com a consciência
tranquila. Aqueles que são condenados pelas pessoas simpáticas são
passíveis de caça; ao gritar “Tally-ho 53 !”, os caçadores se
reúnem, e a vítima é perseguida até ser presa ou morta. O esporte
é ainda mais recompensador quando a vítima é uma mulher, já que
isso deleita a inveja das mulheres e o sadismo dos homens. Conheço,
nesse momento, uma estrangeira que vive, na Inglaterra, uma união
feliz, embora extralegal, com um homem a quem ela ama e que a ama;
infelizmente, suas opiniões políticas não são tão conservadoras
quanto se poderia desejar, apesar de serem meras opiniões, sobre as
quais ela nada faz. As pessoas simpáticas, no entanto, usaram essa
desculpa para pôr a Scotland Yard em seu encalço, de modo que ela
será mandada de volta a seu país de origem, para padecer de fome.
Na Inglaterra, assim como nos Estados Unidos, o estrangeiro
representa uma influência moralmente degradante, de modo que estamos
todos em dívida para com a polícia, pela maneira como cuida para
que apenas estrangeiros excepcionalmente virtuosos possam residir
entre nós.
Não devemos supor que todas as pessoas
simpáticas sejam mulheres, apesar de, é claro, ser muito mais comum
encontrar uma mulher simpática do que um homem simpático. À
exceção dos ministros religiosos, há muitos outros homens
distintos. Aqueles, por exemplo, que fizeram grande fortuna e agora
se aposentaram dos negócios para gastá-la com obras de caridade; os
magistrados também são, quase invariavelmente, homens simpáticos.
Não se pode dizer, no entanto, que todos os defensores da lei e da
ordem sejam homens simpáticos. Quando jovem, lembro-me de ter ouvido
uma mulher simpática dizer, como argumento contrário à pena de
morte, que o carrasco dificilmente poderia ser um homem simpático.
Jamais conheci algum carrasco pessoalmente, de modo que não pude
testar esse argumento de maneira empírica. No entanto, conheci uma
senhora que conheceu um carrasco em um trem sem saber quem ele era e,
ao oferecer-lhe uma manta, por estar frio, disse ele: “Ah, a
senhora não faria isso se soubesse quem sou”, o que parece
demonstrar que, afinal de contas, ele era um homem simpático, sim.
Isso, no entanto, deve ter sido algo excepcional. O carrasco em
Barnaby Rudge, de Dickens, que não é em absoluto um homem
simpático, talvez seja mais típico.
Não acredito, no entanto, que devamos
concordar com a mulher simpática que citei há pouco, que condenava
a pena de morte simplesmente porque os carrascos tendem a não ser
simpáticos. Para ser uma pessoa simpática é necessário estar
protegido do contato cruel com a realidade, e não se deve esperar
dos responsáveis por tal proteção que compartilhem a simpatia que
preservam. Imaginemos, por exemplo, que um navio transportando vários
trabalhadores de cor naufrague; as mulheres da primeira classe,
presumivelmente todas simpáticas, serão salvas primeiro, mas, para
que isso possa acontecer, deve haver homens que impeçam que os
trabalhadores de cor tomem os botes salva-vidas, e é improvável que
consigam fazer isso por meio de métodos simpáticos. As mulheres que
forem salvas, assim que estiverem em segurança, começarão a sentir
pena dos coitados dos trabalhadores que se afogaram, mas essa
demonstração de bondade só foi possibilitada pelos homens rudes
que as defenderam.
De maneira geral, os indivíduos
simpáticos deixam o policiamento do mundo nas mãos de mercenários,
porque sentem que o trabalho em questão não é adequado a pessoas
razoavelmente simpáticas. Existe, no entanto, um departamento em que
não delegam tarefas, que é o departamento da calúnia e de
escândalos. As pessoas podem ser dispostas em uma hierarquia de
simpatia pela força de suas línguas. Se A fala mal de B, e B fala
mal de A, geralmente a sociedade em que ambos vivem entrará em
acordo para determinar qual deles está prestando um serviço de
utilidade pública, enquanto o outro está apenas sendo mesquinho; o
que estiver prestando um serviço de utilidade pública é o mais
simpático dos dois. Assim, por exemplo, uma diretora de escola é
mais simpática do que uma diretora-assistente, mas uma senhora que
pertença ao conselho da escola é mais simpática do que qualquer
uma das duas. A fofoca bem direcionada pode facilmente fazer com que
sua vítima perca o ganha-pão e, mesmo quando esse resultado extremo
não é alcançado, pode transformar a pessoa em um pária. É,
portanto, uma força importante do bem, e devemos nos sentir gratos
por serem pessoas simpáticas as detentoras desse poder.
A principal característica das pessoas
simpáticas é a prática louvável de aprimorar a realidade. Deus
fez o mundo, mas as pessoas simpáticas acreditam que poderiam tê-lo
feito melhor. Existem muitas coisas na obra divina que, por mais que
constituísse blasfêmia desejar que fossem diferentes, não seria de
jeito nenhum agradável mencioná-las. Teólogos defendem que, se os
nossos pais originais não tivessem comido a maçã, a raça humana
teria proliferado por meio de algum método inocente vegetativo, como
Gibbons aponta. O plano Divino, no que diz respeito a esse assunto,
com certeza é misterioso. Está muito bem observar tal ato, como os
teólogos supramencionados o fazem, à luz de um castigo ao pecado,
mas o problema com tal visão é que, embora isso possa ser um
castigo para as pessoas simpáticas, as outras, infelizmente, o
consideram bastante prazeroso. Portanto, parece que o castigo recaiu
sobre o lugar errado. Uma das principais razões de ser das pessoas
simpáticas é remediar essa injustiça, sem dúvida não
intencional. Elas se esforçam para garantir que o modo vegetativo
biologicamente sacramentado seja praticado de maneira furtiva ou
frígida e que aqueles que o pratiquem de maneira furtiva, quando
descobertos, sejam subjugados ao poder das pessoas simpáticas,
devido aos danos que podem ser causados a eles por meio de
escândalos. Elas se esforçam também para garantir que o mínimo de
informações possíveis a respeito desse assunto seja divulgado de
modo decente; tentam conseguir que o censor proíba livros e peças
que representam essa questão, exceto quando ensejam o escárnio.
Nisso, obtêm sucesso, na medida em que controlam as leis e a
polícia. Não se sabe por que o Senhor fez o corpo humano da maneira
como fez, já que se deve supor que a onipotência poderia tê-lo
feito de maneira a não chocar as pessoas simpáticas. Talvez,
contudo, haja uma boa razão para tanto. Tem havido na Inglaterra,
desde o crescimento da indústria têxtil em Lancashire, uma estreita
aliança entre os missionários e o mercado de algodão, pois os
missionários ensinam os selvagens a cobrir o corpo humano e, assim,
aumentam a demanda por bens de algodão. Se não houvesse nada
vergonhoso a respeito do corpo humano, o mercado têxtil teria
perdido sua fonte de lucro. Esse exemplo demonstra que jamais devemos
temer que a disseminação da virtude venha a diminuir nossos lucros.
Quem quer que tenha inventado a expressão
“a verdade nua” percebeu uma conexão importante. A nudez é
chocante a todas as pessoas honradas, da mesma maneira que a verdade
o é. Pouco importa o segmento com o qual se está conectado; logo se
descobre que a verdade é tal, que as pessoas simpáticas não a
admitirão em sua consciência. Não sei ao certo se foi falta de
sorte minha estar presente em um tribunal para a audiência de um
caso sobre o qual eu tinha um conhecimento de primeira mão, o caso é
que fiquei estupefato ao constatar que nenhuma verdade crua tinha
permissão de penetrar aqueles portais augustos. A verdade que entra
em um tribunal de Justiça não é a verdade nua, mas a verdade
vestida com roupas de tribunal, com todas as suas partes menos
decentes escondidas. Não digo que isso se aplique ao julgamento de
crimes mais diretos, tais como assassinato ou roubo, mas se aplica a
todos aqueles em que algum elemento de preconceito entra, tais como
julgamentos políticos, ou julgamentos relativos à obscenidade.
Acredito que, a esse respeito, a Inglaterra é pior do que os Estados
Unidos, porque a Inglaterra levou à perfeição, por meio dos
sentimentos de clemência, o controle quase invisível e meio
inconsciente de tudo o que é desagradável. Se alguém desejar
mencionar em um tribunal de Justiça algum fato inadmissível,
descobrirá que é contrário às leis da evidência fazê-lo, e que
não apenas o juiz e o advogado da oposição, como também o seu
próprio defensor impedirão que o dito fato venha à tona.
O mesmo tipo de irrealidade permeia a
política, devido aos sentimentos das pessoas simpáticas. Se alguém
tentar convencer qualquer pessoa simpática de que um político de
seu próprio partido é um simples mortal, em nada melhor do que a
maioria da humanidade, essa pessoa repudiará tal sugestão. Por
conseguinte, é necessário aos políticos que pareçam imaculados.
Na maior parte do tempo, os políticos de todos os partidos entram em
um acordo tácito para impedir que qualquer coisa que traga prejuízo
à sua profissão seja conhecida, porque as diferenças de partido
geralmente fazem menos para dividir os políticos do que a identidade
da profissão para uni-los. Dessa maneira, as pessoas simpáticas são
capazes de preservar sua bela imagem de grandes homens da nação, e
as crianças nas escolas podem ser convencidas de que tal eminência
só poderá ser alcançada por meio da mais elevada das virtudes.
Existem, é verdade, épocas excepcionais em que a política azeda de
verdade – e em todos os tempos existem políticos que não são
considerados suficientemente respeitáveis para que pertençam ao
sindicato informal da profissão. Parnell, por exemplo, foi primeiro
acusado, sem sucesso, de cooperar com assassinos e depois, com
sucesso, condenado por uma ofensa contra a moral, ofensa que, é
claro, nenhum de seus acusadores jamais sonharia em cometer. Nos dias
atuais, os comunistas na Europa e os radicais extremistas e
agitadores trabalhistas nos Estados Unidos estão fora de questão;
nenhum grupo significativo de pessoas simpáticas os admira, e, se
cometerem alguma ofensa contra o código de convenções, podem estar
certos de que não terão perdão. Dessa maneira, as convicções
morais inabaláveis das pessoas simpáticas se ligam à defesa da
propriedade, e assim mais uma vez elas provam seu inestimável valor.
As pessoas simpáticas muito
convenientemente desconfiam do prazer, sempre que o detectam. Sabem
que o que aumenta a sabedoria aumenta a dor, e, assim, inferem que
maior a dor, maior a sabedoria. Portanto, sentem que, ao disseminar a
dor, estão disseminando a sabedoria; como a sabedoria é mais
preciosa do que os rubis, encontram justificativa para achar que agir
assim é benéfico. Vão, por exemplo, mandar construir um playground
público para crianças para convencer a si mesmos de que são
filantropos, e, em seguida, farão tantas imposições em relação a
seu uso que nenhuma criança poderá ser tão feliz ali quanto é na
rua. Farão tudo o que puderem para impedir que playgrounds,
teatros etc. fiquem abertos aos domingos, porque esse é o dia em que
poderiam ser aproveitados. As moças que trabalham são impedidas o
máximo possível de conversar com rapazes no serviço. As pessoas
mais simpáticas que conheci carregavam essa atitude para o seio da
família e faziam com que seus filhos brincassem apenas com jogos
instrutivos. Esse grau de simpatia, no entanto, sinto dizer, está se
tornando menos comum do que era. No passado, ensinava-se às crianças
que
Um golpe de Sua vara poderosa
Pode rapidamente enviar jovens
pecadores ao Inferno,
e estava entendido que isso provavelmente
aconteceria se as crianças ficassem muito agitadas ou se se
dedicassem a qualquer atividade que não fosse calculada para fazer
com que se tornassem pessoas aptas para o clero. A educação baseada
nesse ponto de vista é apresentada em The Fairchild Family,
obra de valor incomensurável sobre como produzir pessoas simpáticas.
Conheço poucos pais, no entanto, que nos dias de hoje conseguem agir
de acordo com esse alto padrão. Infelizmente, tornou-se muito comum
permitir que as crianças se divirtam, e deve-se temer que todos
aqueles que foram educados de acordo com princípios tão negligentes
não demonstrem o devido horror ao prazer quando crescerem.
O reinado das pessoas simpáticas, creio,
está chegando ao fim – duas coisas o estão matando. A primeira é
a crença de que não há mal em ser feliz, desde que isso não
prejudique ninguém; a segunda é a aversão à farsa, uma aversão
que é tanto estética quanto moral. Essas revoltas foram
incentivadas pela guerra, quando as pessoas simpáticas de todos os
países estavam bem seguras no poder, e, em nome da mais alta moral,
induziam os jovens a matar-se uns aos outros. Quando tudo acabou, os
sobreviventes começaram a se perguntar se mentiras e desgraças
inspiradas pelo ódio constituíam de fato a mais alta das virtudes.
Creio que ainda vai demorar um certo tempo até que possam ser
induzidos mais uma vez a aceitar essa doutrina fundamental, relativa
a toda ética realmente soberba.
Em sua essência, as pessoas simpáticas
odeiam a vida que se manifesta nas tendências à cooperação, na
agitação das crianças e, sobretudo, no sexo – ideia pela qual
são obcecadas. Em uma palavra: as pessoas simpáticas são aquelas
que têm mentes repulsivas.
Bertrand Russell, in Por que
não sou cristão
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