Não parava de
cantar, Antônio, afirmando que ia pra outro tempo enquanto o povo
todo desconfiava que era pro outro mundo que ele ia, e só se ouvia o
martelo martelando lá dentro, toc, toc, toc, e quando os sete dias
se passaram, o oitavo dia acordou e deu de cara com a máquina da
morte prontinha.
Mas ficou bonita
demais, dava até gosto ficar vendo.
“E isso anda?”
Não andava.
“Voa?”
Não voava.
“Nada?”
Não.
Claro que não
cabia na compreensão de ninguém, como é que Antônio diz que vai
pra outro tempo se essa máquina não sai do canto? E ele até se
irritava, isso aí é a máquina da morte, eu é que sou a máquina
do tempo.
E o povo duvidando:
“E é, é? Desde quando?”.
O tão esperado dia
da morte do tão falado Antônio tinha chegado, e Nordestina nunca
imaginou que a reta que ele tirava de sua casa até o meio da praça
fosse um dia ficar tão famosa.
Tinha até banda
tocando quando ele saiu pela porta carregando sua máquina nas
costas.
Cada passo que dava
era da maior importância e houve quem lhe entregasse presente, houve
quem lhe dissesse bobagem, houve quem risse, quem chorasse, houve até
quem se descabelasse por ver Antônio de perto.
Dona Nazaré estava
muito ocupada no tanque quando foram lhe chamar pra festa e mandou
dizer que não ia, não, que nunca viu meninos pra sujarem roupa como
aqueles, e que se fosse parar de fazer seu serviço pra ficar vendo
invenção de Antônio, não faria outra coisa na vida.
Karina não aceitou
lugar de honra, nem copo d’água, nem cafezinho, se misturou à
multidão e seguiu com os olhos a procissão de Antônio sozinho. No
que ele passou em sua frente, fez em nome do pai como os outros,
fazendo de conta que não era com ela.
A primeira parte da
promessa ele já tinha cumprido.
Olha o mundo todo
ali, olhando para Nordestina.
Só restava cumprir
o resto.
Faltando somente um
minuto pra hora marcada, às 11h59 exatamente, Antônio entrou na
máquina de sua própria morte, feita com suas próprias mãos, e
todos os olhos, todos os ouvidos, todas as câmeras e todos os
microfones do mundo apontaram pra ele, um patrocínio Alisante
Karina, ele vai morrer de amor por você.
Se pudesse divulgar
o que estava sentindo, sem trazer inquietação ao coração de
Karina, talvez Antônio tivesse confessado ali mesmo, pro mundo todo
ouvir, que estava com um medo desgraçado, sabe o verbo medo?
Nem parecia.
Quem olhava pra
ele, ou seja, o mundo inteiro, não diria nunca que se tratava de um
homem que sentia um frio no espinhaço.
E foi então que
deu a hora certinha que Antônio tinha marcado pra partir, meio-dia
em ponto, cinco, quatro, três, dois, um, Ave-Maria, e seu coração
disse pra sua cabeça, vá, e sua cabeça disse pra sua coragem, vou,
e sua coragem respondeu, vou nada, mas Antônio não ouviu, e quando
as setecentas lâminas da máquina da morte botaram pra funcionar,
todas elas ao mesmo tempo, na maior ligeireza, o mundo todo que
estava esperando pra ver tripa de Antônio, sangue de Antônio, osso
de Antônio virar pó, não viu foi coisa nenhuma.
Adriana Falcão,
in A máquina
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