Valtércio adorava
bolero. Acordava com El Reloj e ia dormir ao som de Noche
de Ronda. Nos fins de semana, em Saquarema, compunha um bolero
interminável. Resmungava perfídias e palavrões, e não conseguia
bolar um fecho de ouro. Ficava desesperado e botava a culpa na
Zuleica. Mulher serena, dedicadíssima ao lar, Zuleica, na opinião
de Valtércio, não dava samba - ou melhor, bolero.
Bem que Valtércio
tentava criar caso:
- Hoje, na praia,
você não tirava o olho de um rapaz de sunga amarela. Tava admirando
o Trio Los Panchos dele?
- Eu, Tezinho? Eu
só tenho olhos pra você. - Grrr. I only have eyes for you
não é bolero...
- O quê?
- Nada, esquece.
Sem inspiração,
Valtércio esticava o bolero. Ravel babaria de inveja. Empacou numa
rima rica pro “Mirar”. Depois de um churrasco na casa dos
compadres, Valtércio, meio pinguço, apelou pro melodrama em
portunhol:
- Zuleica...
- Quié, Tezinho?
- Não me chama de
Tezinho, porra! Tezinho não dá bolero! Nem música sertaneja guenta
um Tezinho, Zuca.
- E Zuca? Zuca dá
bolero? Você imagina um mexicano de sombrero e bigodão chamando a
mulher de Zuca?
- Bah, Zuca!
Bazuca é tua mãe!
- Pelo amor de
Deus, atiende-me!
- Tu não é
telefone.
- Yo necessito
hablar-te!
- Fala feito gente!
- Algo que quiçá
no esperes, doloroso talvez...
- Tá com
hemorróida?
- Grrr, escucha-me!
- Oh, Deus, como eu
sou infeliz!
- Isso é
samba-canção, porra!
- Não grita
comigo, Tezinho!
- Grrr, assim o
farei. Nosotros...
- Eu sei que é
refresco.
- Refresco? Que
refresco?
- No dos outros é
refresco. Não é isso que você quis dizer?
- Isso é marchinha
de carnaval, porra, não é bolero.
- Tem dó de mim,
porque estou triste assim.
- Não venha com
choro!
- Por que tanta
judiação?
- Ai, meu saco,
agora é baião!
- A gente somos
inútil.
- Olha, se apelar
pro rock feito o Medina, eu cometo uma loucura! Por favor, Zuca,
devemos separar-nos.
- ?
- No es falta de
carino...
- Vai ver que é,
vai ver que é.
- Outra marchinha e
eu te parto os corne!
A vespa da intriga
originou outra briga.
- Engole a seresta!
Engole a seresta!
- Que será de mim?
- Sempre a mesma
cantiga... Você não entende que faço isso en nombre deste amor
y por tu bien?
- E no ABC do
santeiro, não vai nada?
- Vê lá como
fala, sua vaca!
- Hipócrita!
- Graças a Deus!
Um bolero!
- Tu é um garganta
profunda!
- Hein? Boa ideia
pro final, Zuca! En tu garganta profunda, jorro poderoso como el
mar! Achei! Achei rima-rica para mirar: el mar! Que tal?
El Mar...
- Ah, não enche!
Valtércio quebrou
o violão na boca de Zuleica.
Horas mais tarde
desabafava com o delegado de plantão:
- “Não enche”
é coisa que se peça ao mar, doutor?!?
Aldir Blanc,
in Brasil passado a sujo
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