As objeções à
religião são de dois tipos – intelectuais e morais. A objeção
intelectual é que não existe razão para supor que religião alguma
seja verdadeira; a objeção moral é que os preceitos religiosos
datam de uma época em que os homens eram mais cruéis do que são e,
portanto, têm a tendência de perpetuar atrocidades que a
consciência moral desta época, de outro modo, superaria.
Vamos examinar
primeiro a objeção intelectual: existe uma certa tendência, em
nossa época prática, de considerar que não faz muita diferença se
os ensinamentos religiosos são verdadeiros ou não, já que a
questão mais importante é saber se são úteis. Mas uma questão
não pode ser respondida sem a outra. Se acreditarmos na religião
cristã, nossas noções do que é bom serão diferentes do que
seriam se não acreditássemos nela. Portanto, para os cristãos, os
efeitos do cristianismo podem parecer bons, ao passo que, para os
descrentes, podem parecer ruins. Além do mais, a atitude de que se
deve acreditar nesta ou naquela proposição, independentemente de
existirem evidências a seu favor, é uma atitude que produz
hostilidade ante as evidências e faz com que fechemos a mente a
todos os fatos que não se encaixem nos nossos preconceitos.
Um certo tipo de
imparcialidade científica é uma qualidade muito importante, sendo
algo que dificilmente pode existir em um homem que imagine existirem
coisas em que deve acreditar por obrigação. Não podemos, portanto,
realmente decidir se a religião faz bem ou não sem investigar se
ela é verdadeira ou não. Para cristãos, maometanos e judeus, a
questão mais fundamental implicada na verdade da religião é a
existência de Deus. Na época em que a religião ainda triunfava no
mundo, a palavra “Deus” tinha um significado perfeitamente
definido; mas, como resultado dos ataques violentos dos
racionalistas, a palavra foi empalidecendo, até ficar difícil saber
o que as pessoas querem dizer ao afirmar que acreditam em Deus.
Tomemos, por razões argumentativas, a definição de Matthew Arnold:
“Uma força alheia a nós mesmos, que confirma a virtude”. Talvez
devamos deixar isso ainda mais vago e perguntar a nós mesmos se
temos alguma evidência de finalidade neste universo além das
finalidades dos seres vivos sobre a superfície deste planeta.
O argumento mais
comum das pessoas religiosas a respeito deste assunto é, grosso
modo, o que se segue: “Eu e meus amigos somos pessoas de
inteligência e virtude surpreendentes. É praticamente inconcebível
supor que tanta inteligência e virtude pudessem ter surgido por
acaso. Deve, portanto, existir alguém pelo menos tão virtuoso e
inteligente quanto nós que pôs a engrenagem cósmica em
funcionamento com o intuito de nos produzir”. Sinto dizer que não
considero esse argumento tão impressionante quanto calculam as
pessoas que o utilizam. O universo é grande; no entanto, se formos
acreditar em Eddington, não há em nenhum lugar do universo seres
tão inteligentes quanto os homens. Levando em conta a quantidade
total de matéria no mundo e a comparando com a quantidade que forma
o corpo dos seres inteligentes, ver-se-á que a segunda acha-se em
proporção quase infinitesimal em relação à primeira. Em
consequência, mesmo que seja enormemente improvável que as leis do
acaso possam produzir um organismo capaz de ter inteligência a
partir de uma seleção acidental de átomos, é, contudo, provável
que exista no universo aquele número muito pequeno de tais
organismos, que de fato encontramos. Mas, mesmo assim, considerados
como o clímax de um processo tão complexo, não parecemos, na
verdade, suficientemente maravilhosos. Obviamente, tenho consciência
de que muitos sacerdotes são muito mais maravilhosos do que eu e que
não tenho condições de apreciar por completo méritos que
transcendem tanto assim aos meus. Contudo, mesmo depois de fazer
concessões a esse respeito, não posso deixar de pensar que a
Onipotência, operante por toda a eternidade, poderia ter produzido
algo melhor. E, assim, é preciso refletir que mesmo esse resultado
representa apenas uma gota no oceano. A terra não será habitável
para sempre; a raça humana vai se extinguir, e, se o processo
cósmico tiver de se justificar a partir daí, vai ter de fazê-lo em
algum outro lugar que não a superfície de nosso planeta. E, mesmo
que isso ocorra, o processo deverá ser interrompido cedo ou tarde. A
segunda lei da termodinâmica torna praticamente impossível duvidar
de que o universo esteja se exaurindo e de que, no fim, nada que
tenha o menor interesse será possível em lugar nenhum. Claro, fica
a nosso critério dizer que, quando tal hora chegar, Deus vai dar
corda na engrenagem mais uma vez; mas, se fizermos esta afirmação,
só poderemos basear nossa alegação na fé, e não em qualquer
migalha de evidência científica. No que diz respeito à evidência
científica, o universo se arrastou em estágios lentos até um
resultado um tanto deplorável nesta terra – e vai se arrastar, por
mais outros estágios deploráveis, até atingir a condição de
morte universal. Se isso for tomado como evidência de uma
finalidade, só posso dizer que esta finalidade não me atrai em
nada. Não vejo razão, portanto, para acreditar em qualquer tipo de
Deus, por mais vago e mais atenuado que seja. Deixo de lado os velhos
argumentos metafísicos, já que os próprios defensores da religião
os desprezaram.
Bertrand
Russell, in Por que não sou cristão
Nenhum comentário:
Postar um comentário