Antônio
tinha habilidade pra tanta coisa que ficava difícil escolher uma só.
Ninguém assobiava e chupava cana ao mesmo tempo melhor que ele, por
exemplo.
Mas
isso era coisa besta.
Podia
decorar qualquer número, desde que não ultrapassasse os 28.730
algarismos, e depois era capaz de repeti-lo inteiro, na ordem que lhe
fosse encomendada, na língua escolhida, só não em francês, por
ser um pouco mais trabalhoso.
Mas
isso era coisa fraca.
Tinha
extrema facilidade de se transformar em muitos, apenas quando fosse
necessário, mas evitava fazê-lo senão nunca mais ia ter sossego, ô
povinho pra pedir favor era aquele.
Mas
isso era coisa pouca.
Podia
visitar o passado e o futuro, se quisesse, já que era amigo do
tempo, e só não tinha visitado ainda por nunca ter julgado
oportuno.
Mas
isso era coisa sem utilidade.
E
foi tentando descobrir pelo caminho qual seria a melhor maneira de
atrair a atenção do povo, e foi pensando, pensando, pensando, e nem
teve tempo de imaginar que Karina só fez chorar naqueles dias todos
em que o pessoal da prefeitura ficou sem tomar café e que dona
Nazaré rezou baixinho, como se deve rezar por um filho que se dana
pelo mundo porque chegou a sua hora.
Em
chegando no mundo, Antônio foi direto ao shopping comprar um
paletó, de preferência branco.
Shopping
era um edifício onde moravam compras, em vez de gente.
Ficou
incrível com aquelas luzinhas todas, elas deviam ter treinado muito
pra toda vez acender uma, justo quando a outra apagava.
Tentou
decorar na cabeça cada novidade que via pra contar depois, quando
voltasse pra Nordestina, mas era tanta da coisa que Nossa Senhora.
Admirou-se
muito com a quantidade de ser humano e com a falta de cachorro
vira-lata. Com o mar não se admirou muito não, por bem dizer achou
até menor do que tinha imaginado. Gostou foi do vento na cara.
Reparou demais na giganteza das sombras e brincou de tapete com elas.
Se
fosse o caso de ficar por ali comentando o que via, era só botar um
inclusive no final da frase, engatar um assunto no outro, e teria
conversa pro resto da vida.
Como
ele tinha mais o que fazer, não era o caso.
Antônio
viu de tudo no mundo.
Viu
gente que sabia fazer calçada virar casa, ferida virar dinheiro,
montanha virar cidade, patife virar mandante, lixo virar banquete. E
começou a desconfiar que estava por dar a Karina um presente meio
desarrumado. O que era que ela ia fazer com o mundo daquele jeito? Só
ia prestar caso Antônio ajeitasse tudo primeiro, mas aí o negócio
complicava. Uma coisa era mudar o mundo de lugar, outra era mudá-lo
completamente.
Foi
então que juntou uma ideia com outra, fez umas contas de cabeça,
dividiu por dois, e chegou a um resultado que o deixou satisfeito.
Adriana
Falcão, in A máquina
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