A glória
repousa propriamente sobre aquilo que alguém é em comparação com
os outros. Portanto, ela é essencialmente relativa; por isso, só
pode ter valor relativo. Desapareceria inteiramente se os outros se
tornassem o que o glorioso é. Uma coisa só pode ter valor absoluto
se o mantiver sob todas as circunstâncias; aqui, contudo, trata-se
daquilo que alguém é imediatamente e por si mesmo.
Consequentemente, é nisso que tem de residir o valor e a felicidade
do grande coração e do grande espírito. Logo, valiosa não é a
glória, mas aquilo que faz com que alguém a mereça, pois isso, por
assim dizer, é a substância, e a glória é apenas o acidente. Ela
age sobre quem é célebre, sobretudo como um sintoma exterior pelo
qual ele adquire a confirmação da opinião elevada de si mesmo.
Desse modo, poder-se-ia dizer que, assim como a luz não é visível
se não for refletida por um corpo, toda a excelência só adquire
total consciência de si própria pela glória. Mas o sintoma não é
sempre infalível, visto que também há glória sem mérito e mérito
sem glória. Eis a justificativa para a frase tão distinta de
Lessing: Algumas pessoas são famosas, outras merecem sê-lo. Em
verdade, seria uma existência miserável aquela cujo valor ou
desvalor dependesse de como aparecesse aos olhos dos outros. Tal
existência, entretanto, seria a vida do herói e a do gênio se o
seu valor consistisse na glória, isto é, na aprovação dos outros.
Mas, antes, todo o ser vive e existe por conta própria, logo,
primariamente em si e para si.
O que
alguém é, de qualquer maneira, é antes de mais nada e acima de
tudo para si mesmo; e se sob esse aspecto não é de muito valor,
então não o é também em geral. Pelo contrário, a imagem do nosso
ser na cabeça dos outros é algo secundário, derivado e submetido
ao acaso, e só se relaciona muito indiretamente com o próprio ser.
Além do mais, as cabeças dos outros são um cenário deveras
miserável para que nele a verdadeira felicidade possa ter sede.
Antes, nelas só se pode encontrar uma felicidade quimérica. Que
sociedade heterogênea se reúne nesse templo da glória universal!
Generais, ministros, charlatães, saltimbancos, dançarinos,
cantores, milionários e judeus. Sim, nesse templo, os méritos de
todas essas pessoas são bem mais sinceramente apreciados, encontram
bem mais estime sentie (estima sincera) do que os méritos
espirituais, sobretudo os de tipo superior, que obtêm da maioria
apenas uma estime sur parole (estima de ouvir dizer). Em
sentido eudemonológico, portanto, a glória nada mais é senão o
pedaço mais raro e saboroso para o nosso orgulho e a nossa vaidade.
Estes, todavia, existem em excesso na maioria dos homens, embora eles
os dissimulem; talvez até de modo mais forte naqueles que, de alguma
maneira, estão aptos a adquirir glória e, portanto, têm muitas
vezes de suportar em si mesmos, por muito tempo, a consciência
incerta do seu valor proeminente, antes que chegue a oportunidade de
o comprovar e então experimentar o reconhecimento. Até lá, têm o
sentimento de sofrer uma injustiça secreta.
Arthur
Schopenhauer, in Aforismos para a sabedoria de
vida
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