Todo
presidiário tem dez minutinhos de sol, um recreio para banhar o
rosto com a luminosidade da manhã. Já quem é livre talvez passe 24
horas longe de um pátio, desprovido de um mísero contato com a luz
do dia. Talvez não abra a janela, sequer levante as persianas, para
espiar o azul do horizonte e criticar a temperatura dos relógios da
rua.
Quem
é livre age com culpa. Encarna-se na profissão como um condenado,
debruçado a atender os múltiplos sinais do celular, laptop, iPad,
televisão.
Sempre
encontra um tempo para adiantar uma tarefa, mesmo que seja necessário
abdicar do almoço, mas nunca abre frestas para se sentir no mundo.
Suas
frases mais comuns são que não tem escolha; precisa se sustentar;
há muito a fazer.
Aparentemente
solto, está confinado na solitária do seu trabalho — e não
percebe o valor de respirar a cerração, espirrar quando surge um
vento mais gelado e descascar tangerinas no meio-fio solar, fugindo
do lado das sombras.
Esquece
que o centro tem praças, que as praças têm bancos, que nos bancos
caem máscaras de oxigênio das árvores.
Esquece
o livre-arbítrio, envolvido na onipotência de desdenhar da vida.
Se
fôssemos samambaias, estaríamos mortos. Secos. Murchos. Somos vasos
e demoramos a rachar. A longevidade não é saúde.
Até
abraçar desaprendemos. Ninguém mais abraça com vontade. Com
sinceridade de velório.
Odeio
abraço falso, como aquele beijo de frígida, no qual a face bate na
face e os lábios se transformam em beiço.
Abraço
tem que ter pegada, jeito, curva. Aperto suave, que pode virar colo.
Alento tenso, que pode virar despedida.
É
pelo abraço que testo o caráter do outro. Não confio em quem logo
dá tapinhas nas costas. A rapidez dos toques indica a maldade da
criatura.
Não
sou porta para bater. Nem madeira para espantar azar.
Abraço
com toquinho é hipócrita. É abraço de Judas. De traidor. O
sujeito mal encosta a pele e quer se afastar. Pede espaço porque não
suporta os pecados dos pensamentos.
Devemos
fechar os olhos no abraço, respirar a roupa do abraçado, descobrir
o perfume e a demora no banho.
Abraço
não pode ser rápido senão é empurrão. Requer cruzamento dos
braços e uma demora do rosto no linho.
Abraço
é para atravessar o nosso corpo. Ir para a margem oposta. Nadar para
ilha e subir ao topo da pedra pela gratidão de sopro.
Sou
adepto a inventar abraços. Criar abraços. Inaugurar abraços.
Realizar um dicionário de abraços. Um idioma de abraços.
O
meu é o de cadeira de balanço. Giro nas pontas dos pés. Não
largo; os primeiros minutos são para sufocar, os demais servem para
o enlaçado se recuperar do susto.
Não
entendo onde terminará o abraço. Se a pessoa vai chorar ou vai rir.
Abraço é confissão.
Dez
minutinhos de sol e de liberdade.
Fabrício
Carpinejar, in Ai meu Deus, ai meu Jesus
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