Fonte: Google Imagens
Sofri
com a separação dos pais. Carregava a sensação de que tinha sido
difícil, percebo agora que foi um desastre. Ao mexer no baú da
família para catar flagrantes da infância, encontrei o álbum de
casamento dos dois. Capa dura, nomes dos noivos em relevo dourado,
livro grosso para eternidade mesmo, resistente às traças e porões.
Fiquei
intrigado no momento de folheá-lo. Tive que sentar e interromper a
pressa.
Voltei
no tempo. No papel vegetal entre as páginas, havia desenhado o
contorno das fotografias. Copiei à mão cada imagem, colorindo
depois. São mais de 50 folhas transparentes preenchidas, duplicando
pai e mãe no altar, reproduzindo convidados e bastidores da festa.
Na
época (mentalidade de criança ferida), fiz uma cópia reserva das
cenas. Raciocinei que os dois não seriam mais amigos, jogariam duas
décadas de casados no lixo e providenciei um backup primitivo com o
lápis Faber Castell HB2. Ansiei preservar a história usando as
armas do estojo de 1a série. Aproveitei meu conhecimento de copista
do Pernalonga.
Lembro
que não dei mole na separação: briguei com os irmãos, esperneei
no sofá, chantageei no carro, planejei greve de fome, renunciei
futebol, peguei recuperação, chorei no mercado, passei recreio no
SOE, ia de um lado para outro da sala ao quarto para diminuir a
distância das palavras. Olha, coitados de Carlos Nejar e Maria
Carpi, criei um inferno para reconciliá-los, demorei a constatar que
o paraíso deles também não era o meu.
Diante
do flashback, eu me pus a comparar o que fui com o que sou. Todos,
quando pequenos, sofrem com o divórcio dos pais, indicativo de
trauma, término da idealização e receio de parar num orfanato. E
todos, quando maduros, consideram a separação necessária e
natural.
É
impressionante o quanto nos esforçamos para manter os pais juntos e
não realizamos quase nada pelo nosso casamento na vida adulta.
E
se lutássemos para entender nossa esposa como defendemos nossa mãe?
Se realizássemos metade da birra feita com o pai durante a despedida
de nossa mulher? Se trocássemos o orgulho da cobrança pela
cumplicidade emocionada do erro? Se desejássemos falar menos e ouvir
a voz dela mais um pouco?
Se
fôssemos meninos para sempre, nenhuma separação seria fácil. O
amor não morreria fácil. O papel vegetal protegeria as fotos.
Fabrício
Carpinejar, in Ai meu Deus, ai meu Jesus
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