A
cidade tinha um orador para todo serviço, o Tomé. Tanto saudava os
aniversariantes como enaltecia os defuntos, e não havia Festa da
Bandeira ou celebração da Independência em que ele não soltasse o
verbo. Verbo potente e impressionante, pois o que distinguia a
oratória de Tomé era menos a qualidade do que o volume e duração
do som.
Alguns
homens com pendores demostênicos tentavam imitá-lo sem êxito.
Acabaram desistindo de discursar. Tomé ficou absoluto, e dizem que,
alta noite, não tendo solenidade para expandir-se, discursava
sozinho. E todos se punham a escutá-lo, na vizinhança.
Por
fatalidade, perdeu a voz ao saudar miss Chicória, símbolo do
principal produto do município, eleita em concurso disputadíssimo.
Não teve remédio senão continuar falando por gestos, e arrebatou o
auditório. Tomé, orador mímico daí por diante, ficou ainda mais
popular. Nem precisava abrir os braços e a boca. Era o discurso em
si, independente de tudo.
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
Nenhum comentário:
Postar um comentário