Sobre
os campos do vale de Comala, está caindo a chuva. Uma chuva miúda,
estranha para estas terras que só sabem de aguaceiros. É domingo.
De Apango desceram os índios com seus rosários de camomila, seu
alecrim do campo, seus punhados de tomilho. Não trouxeram nós de
pinho porque o pinho está molhado, e nem terra de azinheira porque
também está molhada pelo muito chover. Estendem suas ervas no chão,
debaixo dos arcos da entrada do povoado, e esperam.
A
chuva continua caindo sobre as poças.
Entre
os sulcos, onde está nascendo o milho, corre a água em rios. Os
homens não vieram hoje ao mercado, ocupados em romper os sulcos para
que a água busque novos leitos e não arraste o milho verde. Andam
em grupos, navegando na terra alagada, debaixo da chuva, quebrando
com suas pás os torrões macios, atando com as mãos o milho verde e
procurando protegê-lo para que cresça sem trabalho.
Os
índios esperam. Sentem que é um dia de maus agouros. Talvez por
isso tremem debaixo de suas molhadas vestimentas de palha; não de
frio, mas de temor. E olham a chuva esfarelada e o céu que não
larga suas nuvens.
Ninguém
vem. O povoado parece estar só. Uma mulher encomendou um pouco de
linha de costura e algo de açúcar, e se fosse possível, e se
houvesse, uma peneira para coar o cauim de milho verde. A palha que
vestem fica pesada de umidade conforme se aproxima o meio-dia.
Conversam, contam piadas e soltam o riso. As camomilas brilham
salpicadas pelo orvalho. Pensam: “Se pelo menos tivéssemos trazido
um bocadinho de cauim de cacto não teria importância; mas os brotos
dos cactos maguey viraram um mar de água. Enfim, fazer o quê?”
Justina
Díaz, coberta por um guarda-chuva, vinha pela rua direita que vem da
Media Luna, rodeada pelos jorros que borbotavam na calçada. Fez o
sinal da cruz e se persignou ao passar pela porta da igreja matriz.
Cruzou a entrada principal do povoado. Os índios viraram-se para
vê-la. Viu o olhar de todos, como se a esquadrinhassem. Deteve-se na
primeira banca do mercado, comprou dez centavos de ramos de alecrim e
regressou, seguida pelos olhares enfileirados daquele montão de
índios.
“Tudo
está caro demais neste tempo” disse ao tomar de novo o caminho
rumo à Media Luna. “Este raminho triste de alecrim do campo, 10
centavos. Não vai dar nem para perfumar nada.”
Os
índios levantaram suas bancas quando escureceu. Entraram na chuva
com seus pesados cestos às costas; passaram pela igreja para rezar à
Virgem, deixando um punhado de tomilho de esmola. Depois tomaram o
rumo de Apango, de onde tinham vindo. “Então será outro dia”,
disseram. E pelo caminho iam contando piadas e soltando gargalhadas.
Justina
Díaz entrou no dormitório de Susana San Juan e pôs o raminho de
alecrim do campo na prateleira. As cortinas fechadas impediam a
passagem da luz, e naquela escuridão só via sombras, só
adivinhava. Supôs que Susana San Juan estaria dormindo; ela desejava
sempre que estivesse dormindo. Sentiu que ela dormia e se alegrou.
Mas então ouviu um suspiro distante, como se saído de algum canto
daquele cômodo escuro.
—
Justina! — disseram a ela.
Ela
virou a cabeça. Não viu ninguém; mas sentiu uma mão sobre seu
ombro e a respiração em seus ouvidos. A voz em segredo: “Saia
daqui, Justina. Arrume suas coisas e vá embora. Não precisamos mais
de você.”
— Ela
sim, precisa — disse, endireitando o corpo. — Está doente e
precisa de mim.
— Já
não mais, Justina. Eu ficarei aqui para cuidar dela.
— É
o senhor, dom Bartolomé? — e não esperou pela resposta. Lançou
aquele grito que caiu em cima dos homens e mulheres que voltavam dos
campos e fez com que dissessem: “Parece ser um uivo humano; mas não
parece ser de nenhum ser humano.”
A
chuva amortece os ruídos. Continua-se ouvindo mesmo depois de tudo,
granizando suas gotas, fiando o fio da vida.
— O
que é que você tem, Justina? Por que está gritando? — perguntou
Susana San Juan.
— Eu
não gritei, Susana. Você deve ter sonhado.
— Já
disse a você que eu não sonho nunca. Você não tem consideração
por mim. Não dormi quase nada. Ontem à noite você não pôs o gato
para fora, e ele não me deixou dormir.
— Ele
dormiu comigo, entre as minhas pernas. Estava ensopado e eu de pena
deixei que ficasse na minha cama; mas não fez barulho.
— Não,
não fez barulho. Ele só passou a noite brincando de circo, pulando
em mim dos pés à cabeça, e miando quietinho como se tivesse fome.
— Pois
eu fiz ele comer bem e não desgrudou de mim a noite inteira. Você
está de novo sonhando mentiras, Susana.
— Estou
dizendo que passou a noite me assustando com seus pulos. E mesmo que
o seu gato seja muito carinhoso, não quero saber dele quando estou
dormindo.
— Você
vê coisas, Susana. Isso é o que acontece. Quando Pedro Páramo vier
vou dizer a ele que não aguento mais você. Vou dizer que vou
embora. Não vai faltar gente que seja boa e que me dê trabalho. Nem
todos são maníacos que nem você, nem vivem atormentando a gente
que nem você. Amanhã eu vou-me embora e levo o gato e você fica
tranquila.
— Você
não vai embora daqui, maldita e condenada Justina. Não vai a lugar
nenhum porque nunca vai encontrar quem goste de você como eu.
— Não,
Susana, não vou. Não vou. Você sabe muito bem que estou aqui para
cuidar de você. Mesmo que você me faça blasfemar, vou cuidar de
você para sempre.
Tinha
cuidado dela desde que Susana nasceu. Tinha segurado em seus braços.
Tinha ensinado a andar. A dar aqueles passos que para ela pareciam
eternos. Tinha visto crescer sua boca e seus olhos “feitos de
doces”. “O doce de menta é azul. Amarelo e azul. Verde e azul.
Mexido com menta e hortelã.” Mordia as suas pernas. Divertia
Susana dando-lhe de mamar seus seios, que não tinham nada, que eram
como de brinquedo. “Brinca” dizia a ela “brinca com este seu
brinquedinho”. Esses abraços, e tão apertados, poderiam ter
despedaçado Susana.
Lá
fora ouvia-se o cair da chuva sobre as folhas das bananeiras,
sentia-se como se a água estancada fervesse sobre a terra.
Os
lençóis estavam frios de umidade. Os canos borbotavam, faziam
espuma, cansados de trabalhar durante o dia, durante a noite, durante
o dia. A água continuava correndo, diluviando em incessantes
borbulhas.
Juan
Rulfo, Pedro Páramo
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