Desde
agosto não caía uma gota de chuva em Santiago. Ainda bem que nas
torneiras — oh, leitor carioca, meu semelhante e meu irmão! — a
água é abundante e limpa, e jorra à vontade para que à tardinha
todo honesto cidadão possa regar suas plantas. Só na Inglaterra há
gramados como no Chile, tão verdes, tão macios, tão perfeitos e
lindos; o chileno trata o capim como se fossem flores.
Numa
tarde vagabunda de sábado andei passeando pelo parque Balmaceda,
cheio de árvores, crianças, flores e namorados. Não é proibido,
felizmente, pisar na grama. É proibido colher flores e jogar bola,
mas isso representa mais uma opinião das placas da Prefeitura que
uma realidade humana. Aqui e ali três meninos jogam bola e uma
garota colhe flores sem que o guarda, por esse motivo, perca seu bom
humor. Também já fumei duas vezes no ônibus, ignorando o aviso, e
ninguém me chamou a atenção; Chile, graças a Deus, é um bom país
latino.
Mas
falávamos de chuva; choveu. Choveu de tarde e a noite inteira, e o
dia amanheceu enevoado. Depois o céu foi se limpando — e há três
dias, enquanto a lua cresce, ele está azul, esplêndido, sem uma
nuvem. Assim chegou o frio, ainda moderado, sem descer além dos 7
graus. Mas, com a chuva, o ar ficou mais fino e o alto cimo da
Cordilheira se cobriu de neve.
É
difícil contar esse lado da paisagem, esse alto horizonte, essa
imensa muralha azul toucada de neve que brilha ao sol. Quando o sol
vai morrendo do outro lado do horizonte, a Cordilheira começa a
mudar de cor — a Montanha se faz violeta, a neve às vezes tem
reflexos púrpuros ou róseos, o azul do céu vai se fazendo mais
grave no crepúsculo alto e solene.
Santiago
não tem mar; mas tem, a leste, essa presença de abismo e de
infinito, essa paisagem de estranha força, pureza e paz — de uma
oceânica beleza.
Rubem
Braga, in Ai de ti, Copacabana
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