A
vingança é uma espécie de justiça bárbara, de tal maneira que
quanto mais a natureza humana se inclinar para ela, tanto mais a deve
a lei exterminá-la. Porque a primeira injúria não faz mais que
ofender a lei, ao passo que a vingança da injúria põe a lei fora
do seu ofício. De certo, ao exercer a vingança, o homem iguala-se
ao inimigo; mas, passando sobre ela, é-lhe superior; porque é
próprio do príncipe perdoar. E tenho a certeza que Salomão disse:
“É glorioso para um homem desdenhar uma ofensa”. O que passou,
passou, e é irrevogável; os homens prudentes já têm bastante que
fazer com as coisas presentes e vindouras; não devem, portanto,
preocupar-se com bagatelas como o trabalhar em coisas pretéritas.
Não
há homem que faça o mal pelo mal, mas apenas na perseguição do
lucro, do prazer ou da honra, etc. Porque hei-de ficar ressentido com
alguém, apenas pela razão de que ele mais ama a si próprio do que
a mim? E se alguém me fez mal, apenas por pura maldade, então, esse
é unicamente como a roseira e o cardo que picam e arranham apenas
porque não podem de outra forma proceder. A espécie mais tolerável
de vingança ainda é aquela que vai contra ofensas que na lei não
encontram remédio; mas, por isso, acautelai-vos, investigando se
realmente não haverá para cada ofensa uma punição legal; caso
contrário, o vosso inimigo ganhará vantagem, porque aliado à lei,
terá dois votos contra vós. Alguns, quando exercem vingança,
desejam que a pessoa saiba donde partiu o golpe. Isso é mais
generoso, porque o prazer parece estar não tanto em arremessar o
golpe como em obrigar o inimigo a arrepender-se, mas os covardes,
baixos e vis, são como a seta que voa na escuridão.
Francis
Bacon, in Ensaios
- Da Vingança
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