A
conversa era sobre parentes, os parentes estranhos, interessantes ou,
por qualquer razão, notáveis de cada um. Alguém já tinha contado
que um parente comia favo de mel com abelha dentro. Outro contara que
um tio longínquo se perdera no mato e fora encontrado quase à morte
depois de uma semana. Outro que um avô tinha conhecido a Marlene
Dietrich em Berlim. Outro que uma tia-avó fora miss, ou um primo
jogava futebol profissional e até não era ruim. Foi quando Alda,
timidamente, sem saber se o que tinha para contar merecia ser
contado, disse:
— Eu
tenho uma tia que caiu no Sena.
Ficaram
todos esperando que ela continuasse, mas não havia mais nada para
contar.
— Como
foi que sua tia caiu no Sena?
— Não
sei.
Mas
como, não sabia?
— Não
sei. Sempre ouvi contarem em casa que a tia Belinha tinha caído no
Sena, mas nunca perguntei como.
— E
a tia Belinha nunca contou?
— Não.
Ela foi morar em outra cidade. Nos vimos pouco. E eu nunca me lembrei
de perguntar.
— Ela
ainda vive?
— Vive.
Aquilo
não podia ficar assim. Uma pessoa não podia cair no Sena e fim de
história. Era preciso investigar. Caíra no Sena como? Por quê?
Fora um acidente? Caíra de um barco? Caíra de uma ponte?
Alda
foi intimada a descobrir tudo o que pudesse sobre a queda da tia
Belinha no Sena e contar para o grupo. A mãe não ajudou.
— Foi
quando ela esteve em Paris...
— É
óbvio, mamãe. Mas quando foi isso? Ela estava sozinha? Foi com
alguém?
— Não
me lembro.
— Ela
não contou como caiu no rio?
—
Contou. Deve ter contado. Senão como é
que a gente ia saber que ela tinha caído? Contou. Mas eu não me
lembro. Faz tanto tempo.
— Vou
falar com ela.
A
tia Belinha nunca se casara. Estava internada numa clínica. Sempre
fora pequena e magra e com a velhice ficara ainda menor e mais magra.
Mas os olhos continuavam vivos. Fez uma festa quando viu a sobrinha.
—
Aldinha!
— Como
vai, titia?
— Eu
não vou mais, minha filha. Eu agora só fico.
— Mas
a senhora já andou bastante, hein, titia? Lembra quando foi a Paris?
— Ah,
Paris, Paris. Nunca mais voltei. Fiquei só com as lembranças
daquela vez. As lembranças me fazem companhia e me consolam.
— Como
foi que a senhora conseguiu cair no rio, titia?
— Que
rio?
— O
Sena.
— Eu
caí no Sena?!
— A
senhora mesmo contou.
— Meu
Deus, é mesmo. Eu caí no rio. Eu caí no Sena! Como foi aquilo, meu
Deus? Eu não consigo...
E
seus olhos de repente perderam o brilho. Quando falou outra vez, foi
para se queixar da sua memória. Nem aquele consolo lhe restava. Nem
as lembranças tinha mais. Como fora que ela caíra no Sena?
Alda
contou para o grupo que a tia Belinha tinha ido sozinha a Paris e lá
conhecera um conde francês, ligeiramente arruinado e ligeiramente
maluco, com quem tivera um tórrido caso de verão. Numa noite
quente, dançando numa margem do Sena, depois de muitos copos de
champanhe, os dois tinham tropeçado e…
Luís
Fernando Veríssimo, in Diálogos impossíveis
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