— É
preciso inventar alguma coisa — disse o sapo. — Alguma coisa de
novo, surpreendente. Pular ao som do fandango paranaense já está me
tirando a alegria de viver. Eu queria pular ao ritmo da Marselhesa,
por exemplo.
— Não
te fica bem a Marselhesa — ponderou o caxinguelê. — Não
só é antiquada, como o teu jeito é mais para o folclore do Sul.
Talvez uma rancheira, uma polquinha de galpão fosse mais indicada.
Mas
o caxinguelê também não andava satisfeito com o seu número. Ágil
e serelepe como é de natureza, tinha de imitar o filho de Guilherme
Tell, imóvel, com a maçã na cabeça, esperando a flechada paterna.
O pai era representado por um macaco simpático, que alimentava o
desejo de, lá um dia, acertar no caxinguelê.
— Não
tenho vocação para estátua nem para vítima. Vou deixar este
circo, a menos que me nomeiem gerente. Tenho vocação para gerente,
você sabia?
O
sapo não sabia nada. Estava farto de fandango, que o obrigava a uma
dança inconveniente para sua idade e condição.
De
resto, nenhum animal daquele circo sentia prazer executando o número
que lhe deram. Era o circo mais inconformado que já existiu. Seu
dono ignorava isto, porque morava longe e nunca assistiu a uma
função.
O
circo jamais pegou fogo. Seus animais descontentes constituíam a
maior atração. Cada vez seduziam mais público. Era o anticirco.
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
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