A
consciência, a velha e boa consciência — ouço algum leitor dizer
em tom triunfante: ele conversa com sua consciência! Vangloria-se de
manter um diário para conversar com sua consciência! — Mas não é
bem assim. Na realidade, o outro, para quem falamos, muda
constantemente de papel. É verdade que pode, também, aparecer como
consciência, e sou-lhe muito grato por isso, pois os outros papéis
facilitam-nos demais as coisas: parece haver nos homens uma volúpia
por se deixarem persuadir. Contudo, esse outro nem sempre é uma
consciência. Algumas vezes a consciência sou eu , e falo a esse
outro num tom de desespero e autoacusação, com uma veemência que
eu não desejaria a ninguém. Nesses momentos, porém, o interlocutor
se transforma num consolador perspicaz, que sabe exatamente onde me
excedo. Ele vê que, como poeta, frequentemente me atribuo maldades e
posturas malignas que absolutamente não são minhas próprias.
Faz-me lembrar que, afinal de contas, tudo depende daquilo que se
faz, pois pode-se pensar qualquer coisa. Com sarcasmo e serenidade,
faz cair as máscaras da maldade de que nos vangloriamos,
mostrando-nos que não somos assim tão “interessantes”. Sou-lhe,
de fato, mais grato ainda por esse papel.
Elias
Canetti, in A
consciência das palavras
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