Belo
Horizonte, 13 de julho de 1941
Hellô,
bem
Está
tudo direito, agora. Antes de partir falei com aquela pessoa por
causa de quem eu me encontrei com V. de noite. Não aludi à carta
principal e só falei das outras que vieram com belíssimas flores,
morangos e outras coisas.
Houve
um momento em que ele me disse: S. está tonto porque V. vai embora.
Menti: “certamente entra aí um pouco de álcool. E, nesse caso, eu
sempre desculpo”. Não olhei para ele, não quis ver a reação.
Voltei para casa triste com a meia perturbação que eu notara. Mas
eu me tinha prometido ser outra, não é? Fiquei defronte do espelho
e fiz uma cara belíssima: uma mistura de Nicolau Couro de Cobra com
a tua Amélia (Vi tua Amélia no trem; e para o meu desapontamento...
ela me sorriu amavelmente. Quem sabe? se você também lhe tivesse
dado uma oportunidade...)
Eu
pretendia chorar na viagem, porque fico sempre com saudade de mim.
Mas felizmente sou um bom animal sadio e dormi muito bem, obrigada.
“Deus” me chama a si, quando eu dele preciso.
Quanto
ao teu fantasma, procuro-o inutilmente pela cidade. As mulheres daqui
são quase todas morenas, baixinhas, de cabelo liso e ar morno.
Aliás, quase que só há homens nas ruas. Elas, parece, se recolhem
em casa e cumprem seu dever, dando ao mundo uma dúzia de filhos por
ano. As pessoas daqui me olham como se eu tivesse vindo direto do
Jardim Zoológico. Concordo inteiramente. Para não chamar atenção,
estou usando cachinhos na testa e uma voz doce como nem Julieta
conheceu.
Que
+? Eu tinha vontade de escrever outras coisas. Mas você diria: ela
está querendo ser “genial”.
Encontrei
uma turma de colegas de Faculdade em excursão universitária. Meu
exílio se tornará + suave, espero. Sabe Lúcio, toda a
efervescência que eu causei só veio me dar uma vontade enorme de
provar a mim e aos outros que eu sou + do que uma mulher. Eu sei que
você não o crê. Mas eu também não o acreditava, julgando o q.
tenho feito até hoje. É que eu não sou senão um estado potencial,
sentindo que há em mim água fresca, mas sem descobrir onde é a sua
fonte.
O.K.
Basta de tolices. Tudo isso é muito engraçado. Só que eu não
esperava rir da vida. Como boa eslava eu era uma jovem séria,
disposta a chorar pela humanidade... (Estou rindo.)
Um
grande abraço da
Clarice.
P.S.
– Hotel Imperador. Pça. Rio Branco, 744-748 quarto nº 302 – B.
Horizonte
P.S.
– Esta carta você não precisa “rasgar”…
Clarice
Lispector, in Correspondências
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