Sim,
o que é o próprio homem senão um cego inseto inane a zumbir
contra uma janela fechada; instintivamente sente para além do vidro
uma grande luz e calor. Mas é cego e não pode vê-la; nem pode ver
que algo se interpõe entre ele e a luz. De modo que preguiçosamente
se esforça por se aproximar dela. Pode afastar-se da luz, mas não
pode ir além do vidro. Como o ajudará a Ciência? Pode descobrir a
aspereza e nodosidade próprias do vidro, pode chegar a conhecer que
aqui é mais espesso, ali mais fino, aqui mais grosseiro, ali mais
delicado: com tudo isto, amável filósofo, quão mais perto está da
luz? Quão mais perto alcança ver? E contudo, acredito que o homem
de gênio,
o poeta, de algum modo consegue atravessar o vidro para a luz do
outro lado; sente calor e alegria por estar tão mais além de todos
os homens , mas
mesmo assim não continuará ele cego? Está ele um pouco mais perto
de conhecer a Verdade eterna?
Fernando
Pessoa, in Ideias
Estéticas - Da Literatura
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