Custei
um pouco a compreender o que estava vendo, de tão inesperado e sutil
que era: estava vendo um inseto pousado, verde-claro, de pernas
altas. Era uma esperança, o que sempre me disseram que é de
bom augúrio. Depois a esperança começou a andar bem de leve sobre
o colchão. Era verde transparente, com pernas que mantinham seu
corpo em plano alto e por assim dizer solto, um plano tão frágil
quanto as próprias pernas que eram feitas apenas da cor da casca.
Dentro do fiapo das pernas não havia nada dentro: o lado de dentro
de uma superfície tão rasa já é a outra própria superfície.
Parecia com um raso desenho que tivesse saído do papel e, verde,
andasse. Mas andava, sonâmbula, determinada. Sonâmbula: uma folha
mínima de árvore que tivesse ganho a independência solitária dos
que seguem o apagado traço de um destino. E andava com uma
determinação de quem copiasse um traço que era invisível para
mim. Sem tremor ela andava. Seu mecanismo interior não era trêmulo,
mas tinha o estremecimento regular do mais frágil relógio. Como
seria o amor entre duas esperanças? Verde e verde, e depois o mesmo
verde que, de repente, por vibração de verdes, se torna verde. Amor
predestinado pelo seu próprio mecanismo semiaéreo. Mas onde
estariam nela as glândulas de seu destino, e as adrenalinas de seu
seco e verde interior? Pois era um ser oco, um enxerto de gravetos,
simples atração eletiva de linhas verdes. Como eu? Eu. Nós? Nós.
Nessa magra esperança de pernas altas, que caminharia sobre um seio
sem nem sequer acordar o resto do corpo, nessa esperança que não
pode ser oca, nessa esperança a energia atômica sem tragédia se
encaminha em silêncio. Nós? Nós.
Clarice
Lispector, in Aprendendo a viver
Nenhum comentário:
Postar um comentário