As
crianças dizem coisas deliciosas. O menininho viajava de avião pela
primeira vez. O voo partira à noite e ele nada viu. Logo dormiu.
Quando acordou pela manhã, olhou para fora, o céu absolutamente
azul para cima e, lá embaixo, nuvens brancas navegantes...
Assustado, disse ao pai: “Papai, o céu caiu lá embaixo...”. A
avó, que morava num sítio, estava recebendo a primeira visita da
netinha que morava num apartamento. Levou-a à horta, coisa que a
menina nunca vira. Agachou-se diante de um canteiro, retirou a terra
fofa e arrancou algumas cenouras. Comentário da menininha: “Você
guarda suas cenouras num lugar esquisito. Em casa nós as guardamos
na geladeira...”. A menina, baseada em sólidos argumentos
linguísticos, discordava: “Não, o nome não pode ser canteiro.
Canteiro é um lugar de canto. Um lugar onde crescem as plantas deve
se chamar planteiro...”. Hora do jantar, o menininho de cinco anos
tomava sopa. Fez então, ao pai, uma pergunta teológica: “Papai,
onde está Deus?”. O pai respondeu segundo o catecismo: “Está em
todos os lugares, meu filho”. Rápido, o menino concluiu: “Está
então nesta colher de sopa que estou tomando?”. O menino visitava
a fazenda pela primeira vez. De manhã, todos ao lugar onde se fazia
a ordenha das vacas, o leite jorrando espumante das exuberantes tetas
do manso animal. Todos bebiam do leite quente. Chegada a vez do
menino, ele recusou o copo de leite e se pôs a chorar: “Não quero
tomar leite de bicho. Quero tomar leite de saquinho...”. Pergunta
metafísica de uma menininha: “Para onde vão os dias que passam?”.
Sim, eu me pergunto: para onde foram os dias que vivi?
Rubem
Alves, in Ostra feliz não faz pérola
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