Como eu nunca lutei para deixar-te nada
além do amanhã indispensável: um quintal de terra verde onde
corra, quem sabe, um córrego pensativo; e nessa terra, um teto
simples onde possas ocultar a terrível herança que te deixou teu
pai apaixonado - a insensatez de um coração constantemente
apaixonado.
E porque te fiz com o meu sêmen homem
entre os homens, e te quisera para sempre escravo do dever de zelar
por esse alqueire, não porque seja meu, mas porque foi plantado com
os frutos da minha mais dolorosa poesia.
Da mesma forma que eu, muitas noite, me
debrucei sobre o teu berço e verti sobre teu pequenino corpo
adormecido as minhas mais indefesas lágrimas de amor, e pedi a todas
as divindades que cravassem na minha carne as farpas feitas para a
tua.
E porque vivemos tanto tempo juntos e
tanto tempo separados, e o que o convívio criou nunca a ausência
pôde destruir.
Assim como eu creio em ti porque nasceste
do amor e cresceste no âmago de mim como uma árvore dentro de
outra, e te alimentaste de minhas vísceras, e ao te fazeres homem
rompeste meu alburno e estiraste os braços para um futuro em que
acreditei acima de tudo.
E sendo que reconheço nos teus pés os
pés do menino que eu fui um dia, em frente ao mar; e na aspereza de
tuas plantas as grandes pedras que grimpei e os altos troncos que
subi; em tuas palmas as queimaduras do Infinito que procurei como um
louco tocar.
Porque tua barba vem da minha barba, e o
teu sexo do meu sexo, e há em ti a semente da morte criada por minha
vida.
E minha vida, mais que ser um templo, é
uma caverna interminável, em cujo recesso esconde-se um tesouro que
me foi legado por meu pai, mas cujo esconderijo eu nunca encontrei, e
cuja descoberta ora te peço.
Como as amplas estradas da mocidade se
transformaram nestas estreitas veredas da madureza, e o Sol que se
põe atrás de mim alonga a minha sombra como uma seta em direção
ao tenebroso Norte.
E a Morte me espera em algum lugar
oculta, e eu não quero ter medo de ir ao seu inesperado encontro.
Por isso que eu chorei tantas lágrimas
para que não precisasse chorar, sem saber que criava um mar de
pranto em cujos vórtices te haverias também de perder.
E amordacei minha boca para que não
gritasses e ceguei meus olhos para que não visses; e quanto mais
amordaçado, mais gritavas; e quanto mais cego, mais vias.
Porque a poesia foi para mim uma mulher
cruel em cujos braços me abandonei sem remissão, sem sequer pedir
perdão a todas as mulheres que por ela abandonei.
E assim como sei que toda a minha vida
foi uma luta para que ninguém tivesse mais que lutar:
Assim é o canto que te quero cantar,
Pedro meu filho…
Vinicius
de Moraes, in Para viver um grande amor
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