Abrindo
caminho entre cortinas de pó, a multidão atravessa a aldeia de
Atotonilco.
– Viva
a América e morra o mau governo!
1810:
o padre Miguel Hidalgo arranca da igreja a imagem da Virgem de
Guadalupe e amarra o manto na lança. O estandarte fulgura sobre a
multidão.
– Viva
Nossa Senhora de Guadalupe! Morram os gachupines!
Fervor
da revolução, paixão da religião; os sinos repicam na igreja de
Dolores, o padre Hidalgo chama para a luta e a Virgem mexicana de
Guadalupe declara guerra à Virgem espanhola dos Remédios. A Virgem
índia desafia a Virgem branca; a que escolheu um índio pobre na
colina de Tepeyac marcha contra a que salvou Hernán Cortez da fuga
de Tenochtitlán. Nossa Senhora dos Remédios será vestida de
generala e o pelotão de fuzilamento crivará de balas o estandarte
da Virgem de Guadalupe, por ordem do vice-rei.
Mãe,
rainha e deusa dos mexicanos, a Virgem de Guadalupe se chamava
Tonantzin, entre os astecas, antes que o arcanjo Gabriel pintasse sua
imagem no santuário de Tepeyac. Ano após ano acode o povo a
Tepeyac, em procissão, Ave Virgem e prenhe, Ave donzela parida,
sobe de joelhos até a rocha onde ela apareceu e a gruta de onde
brotaram rosas, Ave de Deus possuída, Ave de Deus mais amada,
bebe água de suas fontes, Ave que a Deus fazes ninho, e
suplica amor e milagres, proteção, consolo, Ave Maria,
Ave, Ave.
Agora
a Virgem de Guadalupe avança matando pela independência do México.
Eduardo
Galeano, in Mulheres
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