terça-feira, 12 de julho de 2016

Água mineral

 
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Valtão chegou na roda com a notícia de que tinha largado todos os vícios. Como o Valtão tinha mesmo todos os vícios, foi recebido com incredulidade barulhenta. Vaias, risadas, “Tá bom” e “Conta outra, Valtão”. Mas Valtão estava sério. Para dramatizar sua nova disposição, pediu ao garçom:
Alberico: uma mineral.
Alberico hesitou. Servia a turma há dez, doze anos e nunca ouvira um pedido igual. Talvez tivesse ouvido errado.
Uma quê?
Uma mineral. Água mineral. Mi-ne-ral.
Alberico de boca aberta. Na falta de precedentes, precisava de mais detalhes.
Com ou sem gás?
Valtão não respondeu em seguida. Ficou olhando para Alberico, como se a resposta estivesse em algum lugar do seu rosto. Estava decidido a largar todos os vícios, começando pela bebida. Era um homem novo. Um homem que tomava mineral. Mas com ou sem gás?
Sem — disse Valtão.
Houve um murmúrio na mesa. O próprio Valtão se assustou com o que tinha dito. Água mineral sem gás era água pura. Ele queria água pura? Queria. Tinha que ser assim. Um corte limpo. De todas as bebidas para a água pura. Estava certo.
Como o Alberico continuasse na sua frente, em estado de choque, Valtão repetiu:
Sem.
Mas quando o Alberico se virou para ir buscar a água, Valtão fraquejou. Talvez fosse melhor... Chamou o Alberico de volta.
Olha aí: traz com gás. E para os outros, racionalizou:
Nessas coisas é melhor ir por etapas.
O alívio na mesa foi evidente. Ninguém ali estava preparado para radicalismos. Não assim, não num fim de tarde de domingo. A água pura seria uma intrusa na mesa. Um constrangimento. A virtude com gás era manejável. Era recorrível.
Com bolinha ainda tinha papo.
Luís Fernando Veríssimo, in A mesa voadora

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