Alguém
me fala do apartamento em que você morou em Paris, em uma pequena
praça cheia de árvores; outra pessoa esteve em sua casa de Nápoles:
eu me calo. Mas, eu conheci seu quarto de solteira. Era pequeno,
gracioso e azul; ou é a distância que o azula na minha lembrança?
Junto à janela havia uma grande amendoeira antiga; às vezes o vento
levava para dentro uma grande folha cor de cobre — gentileza da
amendoeira. Que tinha outras: pássaros, quase sempre pardais, às
vezes um tico-tico, ou uma rolinha, ou um casal de sanhaços
azulados. E no verão, como as cigarras ziniam! Lembro o armário
escuro e simples, onde cabiam seus vestidos de solteira, que não
eram muitos; e lembro alguns deles, um roxinho singelo, um estampado
alegre, de flores, um outro de linho grosso, cor de areia. Havia uma
pequena estante; e, entre os livros, o meu primeiro livro, com uma
dedicatória tímida. Na parede, uma fotografia, uma imagem de santa,
e uma reprodução de Piero della Francesca, não era?
Era
simples, seu quarto de menina e de moça; mas tinha uma graça leve e
singela, e você o amava. Dali partiu para tantas outras casas e
hotéis em outras cidades do mundo, e um dia soube que haviam
derrubado sua casa. Contaram-me, achando graça, você chorou quando
teve a notícia, chorou como se tivesse perdido pai ou mãe, alguém
muito querido. Contaram-me achando graça — e eu não disse nada,
mas me comovi.
Nossa
amizade se perdeu no acaso das viagens; outros homens sabem muito
mais sobre você, viveram sua alegria e seu sofrimento; de mim você
terá apenas uma lembrança distante e, espero, boa. Mas, se um dia
você se sentisse vazia e sem apoio, e achasse as coisas tão sem
sentido, eu imagino que você gostaria que eu reconstruísse no ar,
como um presente, um presente para proteger e embalar você, o seu
pequeno quarto azul que não existe mais.
Conheci
seu quarto de solteira; lembro a cama, o armário, a estante, a
cômoda, a mesinha, o abajur e o grande espelho. O grande espelho
onde às vezes, ainda mocinha, vinda do banho, você se olhava
demoradamente — pensativamente — nua.
Rubem
Braga, in Ai de ti, Copacabana
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