terça-feira, 7 de junho de 2016

“De onde?”

Apresentei-me à recepcionista da empresa e disse: “Sou Rubem Alves. Tenho uma entrevista marcada...”. Ela me olhou e perguntou: “De onde?”. Levantei o meu braço em curva e, com o indicador, apontei verticalmente para o cocuruto da minha cabeça e lhe disse: “Daqui!”. Ela ficou espantada, achou que eu fosse louco. Essa pergunta “de onde?” quer dizer: De que empresa? E traduzida em linguagem mais clara significa o seguinte: O senhor como indivíduo não existe. Mas o senhor passará a existir para a minha empresa quando disser o nome da empresa a que o senhor se encontra plugado. Acho que nunca passara pela cabeça da recepcionista que houvesse pessoas que não estivessem plugadas a empresas, cuja identidade não dependesse do “onde”. Essa é a norma, ao telefone. Quando a inocente telefonista (inocente porque esse procedimento lhe foi ensinado) me faz a pergunta de praxe, eu lhes respondo: “De onde? Da rua Frei Antônio de Pádua, 1521”. Ela se embaraça. E eu, de maldade, acrescento: “É no bairro Guanabara, Campinas...”. Elas não são culpadas. Disseram-lhes que fizessem assim. Mas essa simples pergunta revela um horror: vivemos no mundo em que as pessoas deixaram de existir como pessoas. Essa é a tragédia dos aposentados: estão desplugados de empresas. Cartesianismo ao contrário: “Estou desplugado de uma empresa, logo não existo...”.
Rubem Alves, Ostra feliz não faz pérola

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