Três
homens bigodudos e castigados por anos de exposição aos elementos
estão encarando uns aos outros em um cemitério. Eles trocam olhares
suspeitos, mas permanecem quase que perfeitamente parados, sem dizer
uma só palavra. A situação dura quase três minutos.
Não
parece exatamente ser algo interessante em termos de cinema, parece?
Pelo
contrário: esta é uma das mais celebradas sequências
cinematográficas de todos os tempos. Trata-se do duelo que encerra o
filme de faroeste Três Homens em Conflito, de Sergio Leone. Em 2016,
o filme completa 50 anos de lançamento.
Cinco
décadas de imenso impacto no cinema e na cultura popular. O legado
do lendário diretor italiano ficou para sempre associado ao western
espaguete, um subgênero de filmes produzidos nos anos 60 e 70,
inspirado nos tradicionais filmes americanos de bangue-bangue. Eram
produções feitas por diretores europeus, trabalhando com orçamentos
menores, mas com um bravo espírito inovador.
Legado
Mas
nenhum western espaguete ficou tão famoso quanto Três Homens em
Conflito. O filme de Leoni conta a história de três foras-da-lei em
busca de uma fortuna desparecida. O filme apareceu em inúmeras
listas de melhores produções ao longo dos anos, graças a técnicas
revolucionárias de narrativas que foram usadas, ensinadas e roubadas
por diretores de todas as partes do mundo.
A
famosa cena do enfrentamento no cemitério é considerada por
críticos e especialistas como um dos melhores exemplos de edição
da história do cinema. E o impacto daqueles momentos é a razão
pela qual o filme ainda ressona tão fortemente meio século depois:
não é apenas o que acontece, mas COMO algo acontece.
Desde
o começo, o filme dá pistas de que vai ser um festival de bravura
visual. A primeira cena é uma longa tomada de um vale desértico.
Mas tudo dura apenas segundos – Leone usa a paisagem para uma
mudança de enfoque, e logo o rosto duro de um cowboy com a barba por
fazer aparece em cena, perto o suficiente da câmera para que
possamos ver suas narinas. Uma tomada à distância se transforma em
um close-up extremo, sem cortes ou mudanças de posição da câmera.
O
recurso é tão elegante quanto ousado. A vastidão do cenário
estabelece o contexto, anunciando uma história que terá um
desenvolvimento marcado por guinadas traiçoeiras.
Tão
importante quanto a edição é a trilha sonora que acompanha o
filme, considerada uma das melhoras da história do cinema. Criada
pelo maestro italiano Enio Morricone, a trilha entrou para o hall da
fama do Grammy Awards. E um livro inteiro foi escrito sobre sua
composição, que ao lado de trilhas como a de Tubarão e Star Wars
está entre as mais rapidamente reconhecíveis da história do
cinema.
Mas
o clímax é mesmo a cena do cemitério, uma momento de bravura
cinematográfica em que os três protagonistas (interpretados por
Clint Eastwood, Lee Van Cleef e Eli Wallach) enfrentam-se em uma área
coberta de cimento. Para entender a importância dessa cena é
preciso saber um pouco mais sobre os elementos básicos da
cinematografia.
O
mais fundamental princípio da edição – conhecido como
continuidade – é geralmente usado para contrair o tempo. Isso quer
dizer que momentos da vida podem ser “adiantados”. Uma tomada de
uma pessoa subindo uma escada, por exemplo, é cortada para outra em
que ela emerge no alto.
Porém,
a cena de Três Homens em Conflito esbanja inatividade e
essencialmente conta uma história onde não parece haver nenhuma. O
confronto mudo entre os três personagens é marcado por uma tomada
mostrando-os em um arranjo triangular, com túmulos e lápides em
frente a eles e por trás deles.
A
ordem dessas tomadas começa de forma perfeitamente balanceada entre
os personagens. Há três closes da pistola de cada um, por exemplo,
seguidos por três closes de suas faces, para depois a câmera se
aproximar ainda mais da face dos personagens.
Cães de aluguel tem cena roubada do filme de 1966
A
cena fica mais frenética e as tomadas cada vez mais curtas à medida
que a música de Morricone aumenta de volume. É como se audiência
começasse a sentir no interior das mentes dos protagonistas e, assim
como eles, tremesse de medo e ansiedade.
Trata-se
também de uma sequência que fãs e estudiosos de cinema já
analisaram tomada por tomada, como se fossem cientistas dissecando o
corpo de um ET em busca de seus segredos.
Três
Homens em Conflito até hoje tem influência no cinema. Mas nenhum
diretor mostrou mais apreciação ao filme que Quentin Tarantino,
para quem a produção é o maior feito da história do cinema. E,
fiel à cartilha de que grandes artistas “roubam”, o diretor
americano declara seu amor ao filme de Leone em boa parte de suas
produções. Ao ponto de, em seu mais recente trabalho, Os Oito
Odiados, Tarantino ter encomendado uma trilha sonora original a
Morricone.
De
um jeito ou de outro, Tarantino sempre parece homenagear o longa. Uma
dos mais descarados tributos ocorre em Cães de Aluguel, quando três
bandidos armados apontam armas uns para os outros, um esperando que o
outro atire. Até a formação e triângulo foi inspirada pela
obra-prima de Leone.
O
filme inspirou muitos outros diretores, incluindo Martin Scorsese e
Robert Zemeckis. E o sucesso de Pistoleiro Sem Nome transformou Clint
Eastwood em um astro internacional. Seria ótimo dizer que, depois
deste western, os outros filmes do gênero espaguete causaram furor
similar. Mas não foi o caso – os filmes variam substancialmente em
qualidade.
Mas
se uma produção simboliza o que há de bom nos espaguetes – a
inovação, a energia psicológica, a atmosfera tensa -, esta
produção é Três Homens em Conflito. E seu clímax ainda continua
eletrizante de assistir.
Fonte:
www.bbc.com.br. Link aqui.
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