A
essência do fanatismo consiste em considerar determinado problema
como tão importante que ultrapasse qualquer outro. Os bizantinos,
nos dias que precederam a conquista turca, entendiam ser mais
importante evitar o uso do pão ázimo na comunhão do que salvar
Constantinopla para a cristandade. Muitos habitantes da península
indiana estão dispostos a precipitar o seu país na ruína por
divergirem numa questão importante: saber se o pecado mais
detestável consiste em comer carne de porco ou de vaca. Os
reacionários americanos
prefeririam
perder a próxima guerra do que empregar nas investigações atômicas
qualquer indivíduo cujo primo em segundo grau tivesse encontrado um
comunista nalguma região. Durante a Primeira Guerra Mundial, os
escoceses sabatários, a despeito da escassez de víveres provocada
pela atividade dos submarinos alemães, protestavam contra a
plantação de batatas ao domingo e diziam que a cólera divina,
devido a esse pecado, explicava os nossos malogros militares. Os que
opõem objecções teológicas à limitação dos nascimentos,
consentem que a fome, a miséria e a guerra persistam até ao fim dos
tempos porque não podem esquecer um texto, mal interpretado, do
Gênese.
Os partidários entusiastas do comunismo, tal como os seus maiores
inimigos, preferem ver a raça humana exterminada pela radioatividade
do que chegar a um compromisso com o mal - capitalismo ou comunismo
segundo o caso. Tudo isto são exemplos de fanatismo.
Em
cada comunidade há um certo número de fanáticos por temperamento.
Alguns desses fanáticos são essencialmente inofensivos e os outros
não fazem mal enquanto os seus partidários forem pouco numerosos ou
estiverem afastados do poder. Os “amish” na Pensilvânia pensam
que é mau usar botões; isto é completamente inofensivo, salvo na
medida em que revela um estado de espírito absurdo. Alguns
protestantes extremistas gostariam de ressuscitar a perseguição
aos católicos; essas pessoas só serão inofensivas enquanto forem
em pequeno número. Para que o fanatismo se torne uma ameaça séria
é preciso que possua bastantes partidários para pôr a paz em
perigo, internamente por meio de uma guerra civil ou externamente por
uma cruzada; ou quando, sem guerra civil, estabeleça uma Lei dos
Santos que implique a perseguição e a estagnação mental. No
passado, o melhor exemplo da história é o reinado da Igreja desde o
século IV ao século XVI.
Para
curar o fanatismo - salvo nas aberrações raras dos indivíduos
excêntricos - são necessárias três condições: segurança,
prosperidade e educação liberal.
Bertrand
Russell,
in
A Última Oportunidade do Homem
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