“Do
ponto de vista teórico, sempre defendi - e continuo a defender,
fortalecido por novos argumentos - que os direitos do homem, por mais
fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos
em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de
novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual,
não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. O problema –
sobre o qual, ao que parece, os filósofos são convocados a dar seu
parecer – do fundamento, até mesmo do fundamento absoluto,
irresistível, inquestionável, dos direitos do homem é um problema
mal formulado: a liberdade religiosa é um efeito das guerras de
religião; as liberdades civis, da luta dos parlamentos contra os
soberanos absolutos; a liberdade política e as liberdades sociais,
do nascimento, crescimento e amadurecimento do movimento dos
trabalhadores assalariados, dos camponeses com pouca ou nenhuma
terra, dos pobres que exigem dos poderes públicos não só o
reconhecimento da liberdade pessoal e das liberdades negativas, mas
também a proteção do trabalho contra o desemprego, os primeiros
rudimentos de instrução contra o analfabetismo, depois a
assistência para a invalidez e a velhice, todas elas carecimentos
que os ricos proprietários podiam satisfazer por si mesmos. Ao lado
dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda
geração, emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração,
que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda
excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender
do que efetivamente se trata. O mais importante deles é o
reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num
ambiente não poluído. Mas já se apresentam novas exigências que
só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes
aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que
permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo.
Quais são os limites dessa possível (e cada vez mais certa no
futuro) manipulação? Mais uma prova, se isso ainda fosse
necessário, de que os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem
quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do
homem sobre o homem – que acompanha inevitavelmente o progresso
técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a
natureza e os outros homens – ou cria novas ameaças à liberdade
do indivíduo ou permite novos remédios para as suas indigências:
ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitações do
poder; remédios que são providenciados através da exigência de
que o mesmo poder intervenha de modo protetor. Às primeiras,
correspondem os direitos de liberdade, ou um não-agir do Estado; aos
segundos, os direitos sociais, ou uma ação positiva do Estado.
Embora as exigências de direitos possam estar dispostas
cronologicamente em diversas fases ou gerações, suas espécies são
sempre – com relação aos poderes constituídos, apenas duas: ou
impedir os malefícios de tais poderes ou obter seus benefícios. Nos
direitos de terceira e de quarta geração, podem existir direitos
tanto de uma quanto de outra espécie.
Em
um dos ensaios, “Direitos do homem e sociedade”, destaco
particularmente a proliferação, obstaculizada por alguns, das
exigências de novos conhecimentos e de novas proteções na passagem
da consideração do homem abstrato para aquela do homem em suas
diversas fases de vida e em seus diversos estágios. Os direitos de
terceira geração, como o de viver num ambiente não poluído, não
poderiam ter sido sequer imaginados quando foram propostos os de
segunda geração, do mesmo modo como estes últimos (por exemplo, o
direito à instrução ou à assistência) não eram sequer
concebíveis quando foram promulgadas as primeiras Declarações
setecentistas. Essas exigências nascem somente quando nascem
determinados carecimentos. Novos carecimentos nascem em função da
mudança das condições sociais e quando o desenvolvimento técnico
permite satisfazê-los.”
Norberto
Bobbio, in A Era dos Direitos
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