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Seu
Tomás fugira também, com a seca, a bolandeira estava parada. E ele,
Fabiano, era como a bolandeira. Não sabia porquê, mas era. Uma,
duas, três, havia mais de cinco estrelas no céu. A lua estava
cercada de um halo cor de leite. Ia chover. Bem. A catinga
ressuscitaria, a semente do gado voltaria ao curral, ele, Fabiano,
seria o vaqueiro daquela fazenda morta. Chocalhos de badalos de ossos
animariam a. solidão. Os meninos, gordos, vermelhos, brincariam no
chiqueiro das cabras, Sinha Vitória vestiria saias de ramagens
vistosas. As vacas povoariam o curral. E a catinga ficaria toda
verde.
Lembrou-se
dos filhos, da mulher e da cachorra, que estavam lá em cima, debaixo
de um juazeiro, com sede. Lembrou-se do preá morto. Encheu a cuia,
ergueu-se, afastou-se, lento, para não derramar a água salobra.
Subiu a ladeira. A aragem morna acudia os xiquexiques e os
mandacarus. Uma palpitação nova. Sentiu um arrepio na catinga, uma
ressurreição de garranchos e folhas secas.
Chegou.
Pôs a cuia no chão, escorou-a com pedras, matou a sede da família.
Em seguida acocorou-se, remexeu o aió, tirou o fuzil, acendeu as
raízes de macambira, soprou-as, inchando as bochechas cavadas. Uma
labareda tremeu, elevou-se, tingiu-lhe o rosto queimado, a barba
ruiva, os olhos azuis. Minutos depois o preá torcia-se e chiava no
espeto de alecrim.
Eram
todos felizes. Sinha Vitória vestiria uma saia larga de ramagens. A
cara murcha de sinhá Vitória remoçaria, as nádegas bambas de
Sinha Vitória engrossariam, a roupa encarnada de Sinha Vitória
provocaria a inveja das outras caboclas.
A
lua crescia, a sombra leitosa crescia, as estrelas foram esmorecendo
naquela brancura que enchia a noite. Uma, duas, três, agora havia
poucas estrelas no céu. Ali perto a nuvem escurecia o morro.
A
fazenda renasceria - e ele, Fabiano, seria o vaqueiro, para bem dizer
seria dono daquele mundo.
Os
troços minguados ajuntavam-se no chão: a espingarda de pederneira,
o aió, a cuia de água o baú de folha pintada. A fogueira estalava.
O preá chiava em cima das brasas.
Uma
ressurreição. As cores da saúde voltariam a cara triste de Sinha
Vitória. Os meninos se espojariam na terra fofa do chiqueiro das
cabras. Chocalhos tilintariam pelos arredores. A catinga ficaria
verde. Baleia agitava o rabo, olhando as brasas. E como não podia
ocupar-se daquelas coisas, esperava com paciência a hora de mastigar
os ossos. Depois iria dormir.
Graciliano
Ramos, in Vidas Secas
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