Vênus Adormecida (1508), de Giorgione
Ainda
que alma, corpo. Ruas
que alargam palavras, palavras que alongam verbos, verbos que
dinamitam segredos: do sótão ao porão, tudo finda em começos.
Outros modos de dizer a mesma coisa. Quando o tempo é insuficiente
para traduzir a espera subtrai-se de si mesmo, outras possibilidades
de recambiar credos. O corpo é a órbita sentenciosa da alma. De sua
tumultuária expressão, nascem os estilhaços bastardos da metáfora:
tudo no tempo do corpo são pequenos nadas. Riso farto dos excessos,
enchimento de fendas que na dissonância do espaço-tempo procura
fundar os signos da maquinaria romantizada do eu-desaforado:
aconchego estridente de vastas aliterações, tísicas metonímias,
encharcados oxímoros tudo isso transliterado nas sinédoques e
catacreses que parem simulacros de verdades. Um corpo, na lindeza de
suas mentiras, é sempre uma tentativa de intervenção. Vale pelo
voo, nunca pelo planejamento do voo: Ícaro com os seus sonhos
descalços, com o seu olhar exausto de tanta terra – perante os
esboços, nem sempre vale a pena tentar. Pedir indulgência,
esmagalhar as intimidades, esplender em excessos, até alcançar,
quem sabe, a cerração dos amores que, não satisfeitos, depõem
suas armas nos fiapos triviais de alheios desejos. Um corpo, solto no
tempo, é insubsistente, foge para bem ou para mal, das questões
percutidas em mera acomodação de imagens – essa explosão de
fantasmas.
R.
Leontino Filho,
in As
ruas arejadas do verbo impuro
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