sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Pertence a mim e ao meu destino

Posso dizer onde caminho, mas não posso dizer o que me faz caminhar. Sei que esta estrada me conduz a um extremo onde o ar de tão puro é quase irrespirável; mas trago em mim, envolto no mais absoluto segredo, a máquina que me aciona. Posso dizer aos homens que vou por ali, mas não é da minha obrigação dizer o que me leva. No máximo, poderão ouvir o rumor do dínamo que me trabalha, mas tudo o mais pertence a mim e ao meu destino, e nem a minha morte revelará a razão desse esforço, porque de há muito há um pacto firmado entre minha razão e a minha morte, e de há muito ambas se converteram à mesma identidade, e dentro de mim ostentam o mesmo nome.
Além do homem, o homem que somos além. Não o super-homem, que é um mito de despojamento, desumano e feito de cristal, um ser cuja irrealidade nos enlouquece mas o homem além, que é o homem com o acréscimo de sua conquista, o homem tal, com uma soma, um a mais, um além do que lhe foi dado como homem.
Lúcio Cardoso, in Diários

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