Posso dizer onde caminho, mas não posso
dizer o que me faz caminhar. Sei que esta estrada me conduz a um
extremo onde o ar de tão puro é quase irrespirável; mas trago em
mim, envolto no mais absoluto segredo, a máquina que me aciona.
Posso dizer aos homens que vou por ali, mas não é da minha
obrigação dizer o que me leva. No máximo, poderão ouvir o rumor
do dínamo que me trabalha, mas tudo o mais pertence a mim e ao meu
destino, e nem a minha morte revelará a razão desse esforço,
porque de há muito há um pacto firmado entre minha razão e a minha
morte, e de há muito ambas se converteram à mesma identidade, e
dentro de mim ostentam o mesmo nome.
Além do homem, o homem que somos além.
Não o super-homem, que é um mito de despojamento, desumano e feito
de cristal, um ser cuja irrealidade nos enlouquece mas o homem além,
que é o homem com o acréscimo de sua conquista, o homem tal, com
uma soma, um a mais, um além do que lhe foi dado como homem.
Lúcio
Cardoso, in Diários
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